Abib Miguel, ex-diretor-geral da Assembleia Legislativa do Paraná.| Foto: Antonio More/Arquivo/Gazeta do Povo
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A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de nada valeu na sessão de quinta-feira passada, 30 de janeiro, da 1.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Apesar de a suprema corte ter decidido, em junho do ano passado, que não existe “foro privilegiado para edifícios”, a 1.ª Câmara anulou buscas e apreensões feitas no prédio da Assembleia Legislativa em 2010. Com isso, anulou também uma das condenações de Abib Miguel, o Bibinho, ex-diretor-geral da Alep e pivô do escândalo dos Diários Secretos, revelado dez anos atrás pela Gazeta do Povo e pela RPCTV.

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Na Operação Ectoplasma II, em 2010, foram cumpridos vários mandados de prisão, além de busca e apreensão nas dependências da Alep. Toda a ação ocorreu por ordem de um magistrado de primeira instância, e foi neste detalhe que advogados de defesa se apoiaram para pedir a anulação de todas as provas obtidas naquela ocasião. Apesar de nenhum dos alvos da Ectoplasma II ser detentor de foro privilegiado, afirmavam os advogados, o mero fato de os mandados de busca e apreensão serem cumpridos dentro das dependências de sede do Poder Legislativo exigiriam que a ordem tivesse vindo do TJ, e não da primeira instância, por haver a mera possibilidade de se encontrar algo que incriminasse deputados.

É terrível perceber que na principal corte do Paraná há passe livre para a impunidade

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Os ex-diretores da Alep José Ary Nassif e Claudio Marques da Silva foram os primeiros a ter seu recurso analisado pela 2.ª Câmara Criminal do TJ, em 2017. O colegiado não aceitou a argumentação e manteve a validade das provas; no entanto, como houve divergência, o labiríntico processo penal brasileiro garantiu-lhes o direito a apresentar novo recurso, julgado em agosto de 2018 pela 1.ª Câmara Criminal. Ali, por unanimidade, os argumentos foram aceitos, e as provas e as condenações foram anuladas. Por mais que a tese do “foro privilegiado para edifícios” já fosse bastante frágil à época, como ressaltamos neste espaço, ainda seria possível afirmar que o caso era passível de interpretação. O precedente levou vários outros condenados dos Diários Secretos a pedir a anulação dos julgamentos que tivessem usado provas colhidas na Ectoplasma II. Em agosto de 2019, foi a vez de a 2.ª Câmara analisar o recurso de Bibinho.

Mas, naquele intervalo de um ano, o STF colocou um fim na controvérsia quando o plenário da corte decidiu pela validade das provas colhidas na Operação Métis, ocorrida em circunstâncias idênticas à Ectoplasma II: foi ordenada por um juiz de primeira instância, contra integrantes da Polícia do Senado Federal (ou seja, alvos sem foro privilegiado), e incluiu busca e apreensão dentro do Congresso Nacional. A tese vencedora era simples e óbvia: a prerrogativa de foro se aplica a pessoas, não a prédios. Só foram anuladas as escutas que incluíam conversas de parlamentares; as provas que implicavam apenas os policiais poderiam ser usadas contra eles.

Foi apoiado nesta jurisprudência que a 2.ª Câmara rejeitou o recurso de Bibinho, com os votos do relator José Maurício Pinto de Almeida e do desembargador José Carlos Dalacqua. No entanto, o terceiro membro do colegiado, Francisco Pinto Rabello Filho, votou a favor de Bibinho, ignorando a decisão do Supremo. Assim, o roteiro se repetiu: o ex-diretor da Alep recorreu novamente, e mais uma vez coube à 1.ª Câmara julgar o caso.

Clayton Camargo, relator do recurso, fez um esforço monumental para contornar a jurisprudência do Supremo. Afirmou que “parlamentares só podem ser processados perante o Órgão Especial do TJPR”, o que é verdade, embora nem Bibinho, nem os outros alvos da Ectoplasma II fossem parlamentares. Invocou a doutrina dos “frutos da árvore envenenada”, segundo a qual o produto de uma ação nula não pode ser empregado, mas ignorou que a árvore, neste caso, estava completamente sã. Afirmou que “a apreensão, eivada de ilicitude na origem e no destino, não tem salvamento constitucional”, sendo que os guardiões da Constituição já haviam determinado a licitude de uma ordem como a que levou à Ectoplasma II. Se já é acintoso que um único desembargador atropele desta forma o entendimento do STF, ainda mais lamentável foi o fato de Camargo ter sido seguido por mais dois desembargadores, Benjamim Acacio de Moura e Costa e Sérgio Patitucci. Contra a impunidade, e em defesa da jurisprudência do STF, ficaram Dilmari Kessler e Antonio Carlos Ribeiro Martins, derrotados.

Mesmo sem as provas da Ectoplasma II, continua havendo elementos suficientes para condenar Bibinho quando o julgamento for refeito na primeira instância? Sem dúvida que há, desde que a Justiça seja célere para evitar o risco de prescrição. Mesmo assim, é terrível perceber que na principal corte do Paraná há passe livre para a impunidade, até mesmo atropelando os precedentes estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal, tornados irrelevantes diante da simples vontade de alguns magistrados.

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