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O reconhecimento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do recurso extraordinário do ex-governador Joaquim Roriz (PSC) foi um avanço institucional a ser comemorado pela sociedade. Em especial porque está se consolidando o entendimento no Supremo de que a lei vale também para políticos que tenham sido condenados em segunda instância antes da promulgação da nova norma. Entretanto, o avanço só não foi completo por­­que parte dos ministros entendeu que a Lei da Ficha Limpa não vale para as eleições deste ano, por causa do princípio da anualidade, que consta no artigo 16 da Cons­­tituição Federal.

Apesar de toda a discussão sobre a validade, ou não, da lei para estas eleições ainda não ter chegado ao fim, os ministros, pelo menos, demonstraram não aceitar o argumento de que a nova legislação só poderia atingir quem fosse condenado em segunda instância após a promulgação da norma. Na sessão ocorrida na quinta-feira, dia 23, e no início da madrugada de sexta-feira, os ministros consideraram que os trechos da lei que levaram ao impedimento da candidatura de Joaquim Roriz ao governo do Distrito Fede­­ral eram válidos, mesmo tendo ele renunciado ao seu mandato no Senado Federal antes da aprovação do projeto. Em outras palavras, eles decidiram que não viola a Cons­­tituição a aplicação da nova regra para fatos que aconteceram antes da aprovação da Lei da Ficha Limpa.

Entretanto, o plenário do STF ficou totalmente dividido quanto à validade da norma para as eleições que acontecem no próximo domingo. Para Gilmar Mendes, autor do voto que causou maior fervor durante a sessão, se a lei valesse já neste ano, estaria se violando o artigo 16 da Constituição, que diz: "A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência". Na visão de Mendes, o dispositivo seria uma "cláusula pétrea". "O fato de ter-se de esperar um ano é uma segurança para todos. Faz parte de um processo civilizatório, precisa ser respeitado", afirmou o ministro. "A história mostra em geral que os totalitarismos se louvam nesse tipo de fundamento ético." Outros quatro ministros se posicionaram da mesma forma que Mendes: Antonio Dias Toffoli, Celso de Mello, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello.

Já os outros cinco ministros – Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie – votaram pela aplicação imediata da lei. Na visão deles, a Lei da Ficha Limpa não alterou o processo eleitoral. Sua função é a de proteger a Constituição. Eles argumentaram que a lei foi aprovada antes das convenções partidárias. As legendas sabiam, portanto, quais eram as regras de inelegibilidade. E deram legenda para fichas-sujas porque quiseram. "Não há direito adquirido à elegibilidade: o direito é definido e aferido a cada eleição, assim como não há direito garantido à reeleição", disse o ministro Ricardo Lewandowski, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Embora reconheça que o artigo 16 da Constituição Federal possa aparentar ser um impedimento para que a Lei da Ficha Limpa valha para as eleições deste ano, a Gazeta do Povo posiciona-se de modo semelhante aos ministros que entendem inexistir dispositivo constitucional que seja obstáculo para a validade da norma nas eleições de outubro. Entendemos ser compreensível que parte dos ministros não superem as dificuldades que o artigo 16 da Constituição traz. Entretanto, tais dificuldades podem ser superadas, como já o fez, inclusive, o Tribunal Superior Eleitoral no jul­­gamento do Recurso Ordinário 4336-27, julgado em 17 de agosto deste ano.

Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski considera que questões referentes à inelegibilidade não estão inseridas no rol daquelas que podem interferir no processo eleitoral. Isso porque a regra do artigo 16 da Constituição é uma forma de garantir que não sejam criadas regras para favorecer determinadas candidaturas, mas a Lei da Ficha limpa não criou tratamento casuístico entre os candidatos. Não foi editada para beneficiar determinados candidatos em detrimento de outros.

A Lei da Ficha Limpa trouxe, de fato, uma regulação igualitária para todos os candidatos. A nova regra tem a função de proteger valores constitucionais que servem de base ao regime republicano de governo, conforme está, inclusive, disposto no artigo 14, § 9.º da Constituição: "Lei complemen­­tar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta". A regra da Ficha Limpa procura garantir a legitimidade das eleições, combatendo abusos de poder de agentes públicos já condenados em segunda instância. Nesse sentido, trata-se de regra que não altera o processo eleitoral, não havendo razão para que a lei só valha a partir do próximo ano.

Vale ressaltar, entretanto, que essa posição ainda não es­­tá fechada no STF, dada a suspensão do julgamento de Joa­­quim Roriz. Caso os ministros venham a analisar outro recurso referente à ficha limpa, novamente terão de se debruçar sobre essa questão. Até lá, quem sabe, o tempo possa fazê-los refletir em favor desse posicionamento.

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