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editorial

Dificuldades cognitivas

“O problema não sou eu, são vocês.” Em outras palavras, essa foi a mensagem da presidente Dilma Rousseff em seu pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão no domingo, dia 8, com o pretexto do Dia Internacional da Mulher. Ela começou seu discurso de 15 minutos dizendo que “ninguém melhor do que uma mãe, uma dona de casa, uma trabalhadora, uma empresária, é capaz de sentir, em profundidade, o momento que um país vive. Mas todos sabemos que há um longo caminho entre sentir e entender plenamente”. Criticou os noticiários, que “são úteis, mas nem sempre são suficientes. Muitas vezes até nos confundem mais do que nos esclarecem” – afinal, “faltam dados que nem sempre estão ao alcance de todas e de todos”. E, para esclarecer a população, Dilma disse trazer “informações e reflexões importantes que se compartilhadas vão ajudá-los a entender melhor o momento que passamos”, para que não haja mais críticas “injustas e desmesuradas” ao governo. Mas, se o brasileiro tem alguma dificuldade de compreensão, ela se refere não à realidade, mas ao próprio conteúdo das palavras da presidente.

É difícil, por exemplo, entender como as dificuldades econômicas pelas quais o Brasil passa sejam culpa da “mais grave crise internacional desde a grande depressão de 1929”, quando o epicentro da crise – Estados Unidos e zona do euro – cresce mais que o Brasil. O PIB norte-americano avançou 2,4% em 2014. O número brasileiro ainda não é conhecido, mas é impossível que tenha sido semelhante (tudo aponta para um cenário de estagnação). Até os países da zona do euro tiveram crescimento de 1,2% no ano passado. O desempenho brasileiro está abaixo da média mundial, da média latino-americana e da média dos emergentes.

A presidente poderia ter demonstrado grandeza se admitisse que a situação atual é consequência, antes de mais nada, do modelo econômico adotado em seu primeiro mandato

Os brasileiros também terão muita dificuldade para compreender que foi uma estiagem (“a maior seca da nossa história, no Sudeste e no Nordeste”) a culpada por “aumentos temporários no custo da energia”. Pois já está mais que óbvio que os reajustes recentes foram uma consequência de um populismo eleitoreiro que, na base da canetada, reduziu o preço da energia elétrica. A medida, anunciada também em rede nacional em 2012, começou a vigorar em 2013 e desorganizou completamente o setor, a ponto de o Tesouro Nacional ter de vir socorrer das empresas. Uma situação insustentável, que forçaria o governo a autorizar reajustes mais cedo ou mais tarde.

Dilma usou o orçamento doméstico como exemplo. “Às vezes temos de controlar mais os gastos para evitar que o nosso orçamento saia do controle. Para garantir melhor nosso futuro. Isso faz parte do dia a dia das famílias e das empresas. E de países também”, afirmou. E ela tem razão. Justamente por isso o brasileiro não consegue entender por que a presidente chegou a instituir a chantagem por decreto, vinculando a liberação de emendas parlamentares à aprovação de uma anistia fiscal, no fim do ano passado, para permitir que o governo deixasse o orçamento sair do controle sem que Dilma sofresse as consequências políticas do descumprimento das metas de superávit primário.

A presidente ainda informou que “começamos cortando os gastos do governo, sem afetar fortemente os investimentos prioritários e os programas sociais”. Assim, imaginam Dilma e seu marqueteiro, João Santana, se a população seguir sem entender por que o Minha Casa Melhor foi interrompido ao mesmo tempo em que a máquina estatal segue inchada, com 39 ministérios e dezenas de milhares de cargos em comissão, certamente a culpa não será da presidente. E talvez o telespectador também não compreenda por que ela defendeu, com tanta convicção, que “revisamos certas distorções em alguns benefícios”; afinal, se tiver boa memória, o eleitor se lembrará de que Dilma fez duras críticas a Aécio Neves e Marina Silva, seus adversários em outubro do ano passado, quando eles afirmavam que essa correção precisava ser feita.

Dilma poderia ter demonstrado grandeza se admitisse que a situação atual é consequência, antes de mais nada, do modelo econômico adotado em seu primeiro mandato, gastando como se não houvesse amanhã (e depois maquiando os dados para dar a impressão de que tudo vai bem). Em vez disso, preferiu afirmar que as pessoas até podem ter “todo direito de se irritar e de se preocupar”, mas, no fundo, se os brasileiros não estão satisfeitos, é porque não “entendem plenamente” o momento. Quem parece mais descolado da realidade: o cidadão ou sua governante?

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