Preocupa que determinadas posições possam vir a comprometer a isenção que deve marcar os trabalhos da Comissão da Verdade

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A presidente Dilma Rousseff mostrou-se à altura do cargo que ocupa ao discursar durante a instalação da Comissão da Verdade, constituída para esclarecer os crimes ocorridos durante o período do regime militar (1964-1985). Tomada de forte emoção, Dilma, ela mesma uma ex-militante de esquerda que acabou presa e torturada, deixou claros os caminhos que devem ser seguidos pelos sete membros da Comissão. Sem conseguir conter as lágrimas em alguns momentos, lembrou que a apuração dos fatos obscuros da ditadura deve ter como foco a busca da verdade, a ser perseguida sem revanchismo, ressentimentos ou ódio. Postura que, segundo ela, não significa perdoar os excessos cometidos.

Sem dúvida foi importante o alinhamento dado pela presidente Dilma diante de algumas manifestações que mostraram haver profundas divergências entre os membros da Comissão quanto ao foco dos trabalhos. Enquanto o ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias, quer também a apuração dos atos cometidos pela guerrilha, a advogada Rosa Maria Cardoso, ex-defensora de presos políticos, entende que a Comissão deve se restringir aos crimes cometidos pelo Estado. Ainda que opiniões discrepantes sejam normais e saudáveis num colegiado formado para tratar de questão tão delicada, preocupa que determinadas posições possam vir a comprometer a isenção que deve marcar os trabalhos.

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O mergulho numa das fases mais conturbadas da vida brasileira, como foi a do regime militar, é um sinal eloquente do amadurecimento das instituições democráticas e a oportunidade do resgate desse momento tormentoso do país. O que deve ocorrer, nas próprias palavras da presidente Dilma, não é o desejo de reescrever a história, mas sim o intuito de conhecê-la. Referiu-se ela particularmente ao direito à verdade que tem aqueles que sofrem até hoje por parentes e amigos desaparecidos e com o paradeiro ignorado.

Perscrutar esses fatos de forma a finalmente cicatrizar velhas feridas é o que se espera da Comissão que vai começar os seus trabalhos. Nesse mister, entretanto, não se pode deixar de lado, ou atropelar, a Lei da Anistia aprovada em 1979, que de forma ampla, geral e irrestrita permitiu o estabelecimento de um pacto pela reconciliação nacional. Através dela, a nação mostrou a sua capacidade de superação, permitindo escancarar as portas da redemocratização. Portanto, à Comissão da Verdade, respeitados os limites da Lei da Anistia, cabe a missão de resgate do período ditatorial, para que as atuais e futuras gerações tenham acesso ao ocorrido no passado recente visando a melhor compreensão do presente e um caminhar com mais segurança no futuro.

Por último, uma menção significativa na solenidade de instalação da Comissão da Verdade para as presenças dos ex-presidentes Lula, Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Collor de Mello. Ao convidar os ex-chefes da Nação, Dilma colocou-se acima de querelas partidárias, reafirmando o caráter republicano do evento e a importância histórica para o país que pretendeu dar ao evento. Agora, as atenções se voltam para os integrantes da Comissão na expectativa da conclusão dos trabalhos, que se espera sejam conduzidas com a serenidade que o assunto exige.