“É fundamental que o país pare de ter impunidade (...) Quero lembrar que duas leis aprovadas no meu governo no ano passado dão base para esse processo de investigação da Petrobras (...) A outra, que regulamentou justamente a delação premiada, a 12.850.” Esta é Dilma Rousseff, em um debate da campanha presidencial do ano passado, orgulhando-se de ter sancionado a Lei 12.850/2013. Mas, quando uma delação premiada em específico – a do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC e apontado pelas investigações da Lava Jato como líder do cartel de empresas que participava da sangria da Petrobras – apertou o calo da presidente, por mencionar supostas doações ilegais de campanha, Dilma saiu-se com um irritado “não respeito delator”, em entrevista durante sua visita aos Estados Unidos.
Quando vigora o silêncio, perde toda a sociedade, especialmente naqueles casos que envolvem o mau uso dos recursos públicos
E emendou fazendo as mais disparatadas referências à sua própria experiência de prisioneira durante a ditadura militar (quando tentaram, por meio da tortura, fazer dela uma “delatora”, explicou Dilma), e à Inconfidência Mineira, desbaratada graças às informações dadas por Joaquim Silvério dos Reis às autoridades portuguesas. São comparações que não se sustentam e ainda representam um insulto às instituições envolvidas nas investigações da Lava Jato, como afirmou o jornalista Elio Gaspari em sua coluna na Gazeta do Povo de quarta-feira, dia 1.º. Afinal, a Lava Jato vem sendo conduzida em consonância com as leis do país, e não na base da arbitrariedade; ao contrário de Dilma e de outros companheiros de armas, nenhum dos investigados da Lava Jato foi coagido fisicamente a falar: todos o fizeram de livre e espontânea vontade, talvez olhando para o caso de Marcos Valério, o operador financeiro do mensalão, que só mostrou a intenção de contar tudo o que sabia quando já era tarde demais e não tinha quase nada a acrescentar; sem o benefício da delação premiada, Valério foi condenado a quase 40 anos de prisão.
Além disso, é preciso lembrar que o teor de qualquer delação premiada só beneficia o delator se investigações posteriores comprovarem o que ele diz. E, ao homologar a delação de Ricardo Pessoa, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki entendeu que seu conteúdo trazia informações importantes que mereciam uma análise mais apurada.
Quando diz “não respeito delator”, Dilma está dando a entender que seria melhor que Ricardo Pessoa permanecesse calado. Mais de 20 anos atrás, certamente não foi essa a avaliação do PT sobre Pedro Collor: suas denúncias deram início às investigações que levaram ao impeachment do irmão de Pedro, o ex-presidente (e hoje aliado do petismo) Fernando Collor – o episódio ainda contou com outro delator, o motorista Eriberto França. Sem as declarações de Roberto Jefferson, o Brasil dificilmente teria tomado conhecimento do mensalão – mas este é um delator que o PT provavelmente também despreza. Fora do país, as delações também tiveram consequências importantes: nos Estados Unidos, o famoso caso Watergate, que levou à queda do presidente Richard Nixon, só virou um grande escândalo graças ao informante Garganta Profunda.
A quem interessa que membros de um grupo criminoso não contem às autoridades tudo o que sabem? A resposta é óbvia: apenas àqueles que pretendem seguir delinquindo impunemente. Quando vigora o silêncio, perde toda a sociedade, especialmente naqueles casos que envolvem o mau uso dos recursos públicos. O delator, quando se trata de um insider, não deixa de ser um criminoso: também merece punição. Mas isso não autoriza ninguém a desqualificar de antemão as informações que ele presta: se comprovadas, são um valioso auxílio no combate à impunidade.