A presidente Dilma Rousseff terminou seu primeiro mandato deixando depauperadas as contas públicas e inflação em alta. Por si só este já teria sido motivo suficiente para o lamento de todos os brasileiros que não conseguem entender por que o país, recordista em carga tributária e detentor de invejáveis potenciais naturais e econômicos, tenha chegado a situação tão catastrófica – que agora o governo tenta remediar com juros mais altos, impostos mais abusivos, mudanças em benefícios trabalhistas e cortes de verbas orçamentárias para setores tão importantes quanto a educação, enquanto pouco ou nada corta no custeio da máquina pública.

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Claro, trata-se de um quadro grave e que, de fato, após tantos desmandos, agora exige medidas drásticas de ajuste fiscal. Mas talvez tão grave quanto esta situação seja a falta de credibilidade em que caiu o governo, pois nem mesmo o Tribunal de Contas da União (TCU) tem condições de dar parecer sobre as contas da União dados os inúmeros (pelo menos 13) indícios de irregularidades praticadas na gestão das finanças públicas. Irregularidades às quais se deu o conveniente nome de “pedaladas”. A origem da expressão é desconhecida, mas não se descarta a inspiração no drible típico com que o jogador Robinho engana seus adversários; afinal, as “pedaladas fiscais” serviam justamente para enganar quem estivesse de olho na situação das contas governamentais.

O exame do balanço da União está a cargo do ministro Augusto Nardes, cujo relatório seria apresentado aos demais ministros do TCU. Em princípio, as distorções são tão evidentes que a prestação de contas tinha tudo para ser simples e imediatamente reprovada, mas, numa decisão inédita do tribunal, a presidente Dilma Rousseff ganhou prazo de 30 dias para apresentar defesa às ressalvas anotadas no relatório de Nardes.

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A sociedade brasileira vê com esperança o rigor do relatório e o gesto de abrir oportunidade à defesa prévia como uma “refundação” do tribunal

A indignação inicial com a concessão dessa oportunidade à presidente não se sustenta. O que muitos viram como um favorecimento ao governo na verdade é uma garantia de que todo o rito seja obedecido. Está clara no regimento da corte a obrigação de conceder a chance do contraditório, o que ainda não havia ocorrido até agora. Se não fosse obedecida esta norma, o Supremo Tribunal Federal (STF), se instado, poderia se pronunciar pela anulação do parecer, colocando a perder todo o trabalho – o próprio Augusto Nardes recordou jurisprudência nesse sentido, em um episódio envolvendo a prestação de contas do governador pernambucano Miguel Arraes.

Será o momento certo para que a presidente justifique, dentre os 13 itens apontados como irregulares, os atos de desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal por conta das “pedaladas fiscais”; a utilização de recursos do FGTS para fins não previstos pela legislação ou sem a devida autorização orçamentária; os adiantamentos ilegais feitos pelo BNDES à União para cobrir despesas do programa de investimentos; a omissão de estatísticas dos resultados fiscais de 2014; e a distorção de dados que torna impossível confiar em indicadores e metas do Plano Plurianal 2012/2015.

Como efeito benéfico da decisão do TCU de não aprovar as contas, como era costumeiro, mas também não reprová-las in limini, a sociedade brasileira vê com esperança o rigor do relatório e o gesto de abrir oportunidade à defesa prévia como uma “refundação” do tribunal, inaugurando uma nova era na qual já não teria espaço a plácida e cega conivência que sempre marcou suas relações com o Executivo, salvo raríssimas exceções –é preciso lembrar que nunca um presidente da República teve contas rejeitadas pelo TCU. Essa esperança, no entanto, contrasta com a declaração de um dos ministros a colunistas do jornal Folha de S.Paulo: “já tivemos contas muito piores, mas o momento é outro. O país cobra mais fiscalização e a presidente é impopular. Essa decisão não seria tomada contra Lula no auge da popularidade” – uma fotografia nítida de que, antes, bastava o governante ser popular para ter suas contas aprovadas, apesar de irregulares.

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Devemos ficar com a esperança que aponta para uma nova era do TCU, e manter a aposta de que não sobreviverá o segundo entendimento – principalmente se, após a defesa de Dilma, a corte confirmar a existência das “pedaladas” e responsabilizar criminalmente seus autores.