A presidente eleita, Dilma Rousseff, em entrevista concedida ao jornal norte-americano Washington Post no início desta semana, deu claros indícios de como vai conduzir a política exterior brasileira. Para a surpresa de muitos, ela manifestou uma opinião bem diferente do governo do presidente Lula, do qual fez parte, sobre a questão dos direitos humanos no Irã. E procurou, com todos os cuidados possíveis, dar uma ênfase à necessidade de maior cooperação e estreitamento das relações entre Brasil e Estados Unidos, postura pública que o Itamaraty havia abandonado há tempos.
Com esses dois gestos, a futura presidente explicitou à comunidade internacional porque não confirmou no cargo o chanceler Celso Amorim e escolheu um diplomata de outro perfil, Antônio de Aguiar Patriota.
Ao Washington Post, Dilma declarou não concordar com a abstenção do Brasil na votação de uma sanção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra o Irã por violação de direitos humanos, no mês passado. A resolução diz respeito, principalmente, à decisão judicial daquele país que condenou à morte, por apedrejamento, a iraniana Sakineh Mohamadi Ashtiani, sob a acusação de adultério. O governo brasileiro usou o cínico argumento de que estava se abstendo porque havia considerado que a Assembleia-Geral não era o "melhor espaço" para discutir o tema, mas sim o "Conselho de Direitos Humanos da ONU".
Dilma disse: "Eu não sou a presidente [hoje] do Brasil, mas eu me sentiria desconfortável como uma presidente mulher eleita em não dizer nada contra o apedrejamento. Minha posição não vai mudar quando eu tomar posse. Eu não concordo com a maneira como o Brasil votou. Não é minha posição" (...) "Não apoio o apedrejamento (de mulheres). Não estou de acordo com práticas que têm características medievais. Não há nuances possíveis, não farei quaisquer concessões a esse respeito".
Sobre as relações com os Estados Unidos, Dilma usou um tom de humildade que há tempo não ecoava do Palácio do Planalto. "Considero que a relação com os Estados Unidos é muito importante para o Brasil. Tive uma grande admiração pela eleição do presidente [Barack] Obama. Eu acredito que os Estados Unidos, naquele momento, mostraram ser uma grande nação. Poderia ser muito difícil eleger um presidente negro nos Estados Unidos, como era muito difícil eleger uma mulher presidente do Brasil."
A abstenção brasileira na assembleia da ONU, nesse condenável caso de violação de direitos humanos, foi feita somente para agradar ao governo ditatorial do Irã, em função das relações bilaterais. Tal ato revelou o quanto é equivocada a atual política exterior. A impressão que Dilma tem dado é que não concorda com o eixo diplomático brasileiro escolhido pelo atual governo. Afinal, "aposentou" Celso Amorim.
Da mesma forma, a presidente eleita, em nenhum momento na entrevista reafirmou a atual postura do Palácio do Planalto de apoiar a desastrada política nuclear do Irã. Ela se esquivou desse delicado tema, dizendo genericamente que pretende "negociar" com Teerã. Não é para menos: o Brasil foi humilhado no cenário internacional ao ser obrigado a assinar novas sanções da ONU contra o Irã, depois de ter anunciado, com a Turquia, um "acordo nuclear" fantoche.
Com suas palavras, Dilma parece estar finalizando uma ideia fantasiosa de uma parte importante do governo Lula de que o Brasil pode ser a nova vanguarda da diplomacia internacional. Voltando-se para a realidade, deve tomar atitudes mais cautelosas e responsáveis ao tratar de relações internacionais, como cabe a um respeitoso chefe de Estado.
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