Cumprindo a praxe, a presidente Dilma Rousseff falou em cadeia nacional de rádio e televisão na véspera do Dia do Trabalho. Seria apenas mais um pronunciamento presidencial típico dessa data se não fosse o fato de a presidente estar em campanha na busca do segundo mandato. Dilma tratou de muitos assuntos, começando por culpar a crise internacional pelas dificuldades do país e atribuindo os tropeços na área de energia aos problemas climáticos.
Referindo-se aos escândalos na maior empresa do país, a Petrobras alguns ocorridos no período em que Dilma Rousseff presidia o Conselho de Administração da empresa , a presidente reafirmou sua disposição para combater a corrupção e investigar todas as denúncias. Essa parte da fala presidencial não bate com a disposição férrea do governo de impedir que o Congresso Nacional investigue o caso por meio de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
No terreno do concreto, a presidente anunciou algumas medidas como a correção da tabela do Imposto de Renda em 4,5%. Esse tributo incide com alíquotas diferentes conforme a faixa de renda e, pela nova tabela a vigorar em 2015, estará isento quem ganhar até R$ 1.868,22 por mês. Desse valor em diante, seguem as alíquotas de 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%, pois o imposto é progressivo e paga mais quem tem renda maior. Vale lembrar que existe inflação no país (a estimativa para 2014 é que o IPCA fique na casa dos 6,5%) e os reajustes salariais iguais à inflação não melhoram a vida do trabalhador, pois apenas fazem a reposição do poder de compra corroído pela elevação dos preços.
Assim, a correção da tabela em 4,5% não cobre sequer a inflação do ano, mas foi divulgada por Dilma como se fosse um benefício ao trabalhador. A verdade é bem outra. O próprio sindicato dos auditores fiscais da Receita Federal informa que essa tabela está defasada em 61,4%. Ao não corrigi-la pelos índices de inflação desde 1996, na prática o governo está aumentando a tributação real sobre os rendimentos do trabalho. Apesar disso, a presidente declarou textualmente que "isso vai significar um importante ganho salarial indireto e mais dinheiro no bolso do trabalhador".
Outra medida anunciada foi o reajuste no valor do Bolsa Família em 10%, elevando o benefício básico do programa de R$ 70 para R$ 77. Segundo a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campelo, o valor médio recebido pelas famílias beneficiadas chegará a R$ 167 por mês e custará aumento de despesas de R$ 1,7 bilhão até o fim deste ano e R$ 2,7 bilhões em 2015 (o gasto total do Bolsa Família em 2014 está orçado em R$ 24,6 bilhões).
O Bolsa Família é uma consolidação de vários programas sociais implantados desde o governo Sarney (o programa do leite), passando pelo governo Fernando Henrique (o Bolsa Escola, o Auxílio Gás, o Bolsa Alimentação, o Cartão Alimentação) e pelo governo Lula (o Fome Zero). Hoje, 36 milhões de brasileiros são beneficiados e trata-se de uma política de transferência de renda incorporada à realidade do país, tornando-se um programa de Estado, que será mantido independentemente de quem venha a ser o governante.
A presidente se comprometeu também a manter a política de reajustes do salário mínimo, atualmente em R$ 724, e deu alfinetadas nos que, segundo ela, dizem ter havido elevação maior do que devia. Alguns analistas afirmam que os salários médios na indústria cresceram mais que a produtividade/hora do trabalho, prejudicando a capacidade competitiva da indústria nacional. Quando isso ocorre, a única forma de evitar que os exportadores tenham prejuízos é pela desvalorização do real frente ao dólar, a fim de compensar a sobrelevação dos salários internos. O efeito indesejável do aumento do preço do dólar está no risco de aumento da inflação decorrente da elevação, em reais, dos custos das matérias-primas importadas.
A presidente afirmou ainda que seu governo está comprometido com o crescimento, a estabilidade, o controle rigoroso da inflação e a administração correta das contas públicas. Trata-se de afirmação parcialmente verdadeira, pois se há uma área em que o atual governo relaxou foi na gestão das contas fiscais. A diminuição do superávit primário e as constantes manipulações contábeis feitas pelo governo para melhorar os números da economia brasileira pegaram muito mal, razão por que a agência de classificação de riscos Standard & Poors rebaixou, em março passado, a nota do Brasil. Se Dilma quiser realmente colocar em prática o seu discurso, o governo terá muito trabalho nos próximos meses.
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