Pela segunda vez em menos de um mês, a Assembleia Legislativa do Paraná se submeteu a aprovar projetos de autoria do Executivo sem debatê-los convenientemente. Para esse fim, seguindo orientação superior, a bancada governista aprovou a transformação do plenário em Comissão Geral, de modo que a matéria fosse votada (e seguramente aprovada sem maiores delongas) sem antes passar pelo crivo das comissões temáticas da Casa. Há poucas semanas, seguindo esse rito sumário, os deputados aprovaram dois projetos polêmicos numa só sessão o que criou a Fundação Estatal de Saúde (Funeas) e o que instituiu o auxílio-moradia para juízes e desembargadores.
Na última quarta-feira, foi a vez de o "tratoraço" termo que pejorativamente designa o poder da maioria de passar por cima do direito da minoria de, pelo menos, debater as matérias ser usado para aprovar outra matéria polêmica. Por 31 votos a 15, o Executivo fez valer sua vontade de aumentar o capital social da Sanepar mediante o lançamento de ações visando a, segundo justificativa do governo, incrementar o nível de investimentos da empresa. Os opositores ao projeto, por sua vez, argumentam que a pretendida emissão de ações poderia abrir as portas para uma "privatização" da Sanepar, e temem que a influência dos novos acionistas privados represente potencial perigo para a manutenção do caráter social dos serviços prestados pela companhia à população.
São questionamentos complexos, e não se deu tempo e oportunidade suficientes para que a sociedade e seus especialistas pudessem examiná-los em profundidade, de modo a permitir que todos, agora, pudessem conscientemente aplaudir ou condenar as medidas. A Assembleia Legislativa, ao contrário do que seria seu papel, contribuiu decisivamente para cobrir o projeto com o manto de dúvidas não esclarecidas.
Deixando o campo das dúvidas para entrar no das certezas, a maior delas diz respeito ao fato de que, a cada vez que a Assembleia se sujeita a "tratoraços" do gênero, ela se apequena como poder. Poder cuja finalidade, entre outras, é a de se abrir para o debate e votar leis que reflitam a vontade do povo e o interesse público. Seus membros, os 54 deputados, foram eleitos exatamente para cumprir esse papel mas, como se viu no caso da instituição do auxílio-moradia para os magistrados e em tantas outras ocasiões, caminhou na direção oposta.
Relegar ou anular as comissões temáticas, substituindo-as por um plenário apressado, é regimental está escrito no Regimento da Assembleia que, se aprovado pela maioria, um requerimento de parlamentar pode transformar o plenário em Comissão Geral. É preciso, neste ponto, lembrar que o Legislativo paranaense é o único dentre as Assembleias de 27 estados e do Distrito Federal que ainda conserva essa esdrúxula cláusula.
Para consolo dos que se preocupam em liquidar com essa anomalia noticiou-se, na mesma sessão do mais recente "tratoraço", que o Regimento Interno da Assembleia passa por reformas e que já há um esboço quase acabado para substituí-lo por um regimento mais consentâneo com os tempos modernos. Felizmente, se aprovado, dele já não constará a cláusula da Comissão Geral a menos que, pela via de outro "tratoraço", os deputados sejam compelidos a manter o antigo, antidemocrático e injusto modelo.
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