O presidente Lula, em entrevista a uma rádio de Salvador (BA), em 2 de julho.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

“Não é normal o que está acontecendo”, reclamou o presidente Lula em mais uma de suas entrevistas a veículos de imprensa, um hábito que se tornou praticamente diário, tão diário quanto os saltos na cotação do dólar, que bate recordes a cada vez que o petista abre a boca. A frase sobre a anormalidade, aliás, veio justamente como um comentário a respeito do atual ciclo de desvalorização da moeda brasileira – apenas três meses atrás, o dólar rondava os R$ 5,00, e agora se aproximou perigosamente dos R$ 5,70 antes de recuar nesta quarta-feira. Em uma coisa o presidente tem razão: não é mesmo normal “o que está acontecendo” – mas, por outro lado, as consequências do “que está acontecendo” são totalmente normais e previsíveis.

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Não é normal que um presidente da República dedique tanto tempo atacando as decisões técnicas da única instituição neste país que continua trabalhando com empenho para conter a inflação e preservar o valor da moeda. Não é normal que Lula prometa dia sim, dia também que, assim que Roberto Campos Neto terminar seu mandato à frente do Banco Central, será substituído por alguém subserviente ao Planalto. Não é normal que Lula trate a autoridade monetária como um mero puxadinho de seu partido, obrigando-o a aderir à política econômica gastadora que caracteriza o petismo. Não é normal que Lula ataque a autonomia do BC afirmando que quem a deseja “é o mercado, que faz parte do Copom” – colegiado, diga-se de passagem, que é indicado pelo presidente da República, não pelo “mercado”; que já tem quatro de nove integrantes nomeados por Lula; e que foi unânime na recente decisão de manter a Selic nos patamares atuais, já que o governo não mexe um dedo na direção de um ajuste fiscal que poderia aliviar a pressão sobre os juros.

É perfeitamente normal que o investidor, ao ver Lula atacando o Banco Central quase diariamente, pule do barco do real e migre para moedas mais sólidas, como o dólar

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E, quando um presidente age de forma tão enfática para desmoralizar a autoridade responsável pela preservação do valor da moeda, o mercado entende o recado. É perfeitamente normal, então, que o investidor pule do barco do real e migre para moedas mais sólidas, como o dólar. Mas perceber essa realidade, para Lula, é coisa de “cretinos”, como o petista se referiu nas mídias sociais a jornalistas que apontaram as corretas relações de causa e efeito, ainda no início da série atual de entrevistas presidenciais – um ataque que, curiosamente, não gerou nenhuma nota de repúdio de entidades representativas de profissionais da imprensa.

Quem também anda empenhado em normalizar o anormal é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Repetidamente, ele atribui a disparada do dólar não às falas de seu chefe, mas a “ruídos” que ele não faz a menor questão de identificar corretamente, e a “falhas de comunicação”. Na terça-feira, Haddad chegou a afirmar que Lula estava preocupado com a alta do dólar e que “elogiou a autonomia do BC” – e é preciso perguntar em que planeta o ministro esteve nos últimos dias, nos quais tudo o que Lula disse sobre a autonomia do Banco Central foram críticas e mais críticas. Para o ministro, basta comunicar melhor os resultados econômicos do governo que o câmbio se acalmará; Haddad poderia começar essa comunicação pelo déficit nominal acumulado em 12 meses, que já superou os recordes registrados na época da pandemia de Covid-19 e dão uma boa ideia do buraco fiscal em que a gastança petista está colocando o país.

Lula ataca o Banco Central, afirma que não há necessidade de cortar gastos, rejeita reformas estruturantes, e só quer saber de arrancar mais dinheiro dos cidadãos e das empresas. Tudo isso contribui para enfraquecer a moeda, e o reflexo dessas atitudes no câmbio é totalmente natural, ainda que Lula insista no contrário, habituado que está a terceirizar a culpa e a insultar quem não compra suas mentiras. “Temos que fazer alguma coisa”, disse Lula; pois que comece fechando a boca e, principalmente, trabalhando para recuperar a confiança internacional no Brasil, deixando de sabotar ainda mais a já debilitadíssima saúde fiscal do país.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]