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Editorial

Disposição para o sacrifício

Manifestantes norte-americanos, em Washington, pedindo por mais ações que encerrem a guerra na Ucrânia (Foto: EFE)

Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, na semana passada, as potências ocidentais impuseram, conforme prometido, uma série de sanções econômicas ao país agressor. Nesta quarta-feira (02), por exemplo, foi anunciada a expulsão de sete bancos russos da Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (Swift), a plataforma internacional que conecta 11 mil instituições financeiras ao redor do mundo. A medida trará prejuízos significativos à Rússia e para parte da elite econômica do país, o que pode elevar a pressão sobre o governo para que dê fim à agressão contra o vizinho eslavo.

O próprio Vladimir Putin também foi alvo de medidas específicas, como o congelamento de eventuais bens financeiros e propriedades particulares que estejam sob a jurisdição dos Estados Unidos, da União Europeia e do Reino Unido. Oligarcas e funcionários do alto escalão no Kremlin também sofrerão o mesmo castigo. Além disso, investimentos de grandes companhias ocidentais na Rússia estão praticamente proibidas e gigantes como a Disney e a Apple já anunciaram suas próprias ações. Nos próximos dias o exemplo deve motivar outras multinacionais a fazerem o mesmo.

Cada uma dessas medidas é necessária e bem-vinda, já que buscam contribuir para o fim do conflito. O problema é que a Rússia tem ciência de cada uma das punições, mas não recuou em nenhum milímetro da violenta invasão que chega ao sétimo dia acumulando o terrível saldo de 2 mil civis ucranianos mortos. O presidente russo provavelmente havia incluído em seu frio planejamento de guerra boa parte do que agora enfrenta, mas não a totalidade, contando com a fraqueza dos líderes ocidentais que, felizmente, não se materializou exatamente como ele sonhava.

Nesta quarta-feira, o vice-primeiro ministro da Rússia, Yuri Borisov, chegou a admitir que a economia de seu país está “sofrendo um grande golpe”, o que pode ser lido como um sinal de que as sanções mais rigorosas recentemente anunciadas estejam surtindo algum efeito, se não nos tanques que arrasam Kiev, ao menos no Kremlin. Ainda assim, a frase veio acrescida de estratégicas afirmações de otimismo, como a de que “há reserva de força” e “a economia ficará de pé”.

Independentemente do quanto as sanções anunciadas até aqui estejam afetando a economia russa, o ponto crucial a se colocar nessa equação é o de que, numa guerra, o fator tempo decorrido está diretamente relacionado com o número de vidas humanas perdidas. Esperar que as medidas adotadas atinjam o ápice de seus efeitos significa aceitar que outras centenas, se não milhares de cidadãos inocentes sejam mortos até que o ímpeto expansionista e homicida de Putin seja freado.

É sabido que a tese da gradação na imposição de sanções, em parte, se deve ao fato de que não é apenas o alvo das ações que sofre com elas. As consequências também vêm àqueles que as impõe. Afinal, antes desse trágico episódio da invasão, praticamente todo o mundo fazia negócios com a Rússia. Por causa da economia mundial altamente conectada, a cautela dos governos em usar, desde já, as punições econômicas mais drásticas e efetivas tem base no medo do que perderão se as aplicarem a um país que, até ontem, era um parceiro comercial importante.

Esse é o tipo de dilema cuja melhor solução exige estadistas convictos, dotados da consciência de que a balança comercial é um bem a ser preservado, mas não a qualquer custo. A civilização de que hoje desfrutamos não se baseia fundamentalmente nas vantagens obtidas por negociações de mercado oportunas. Aliás, essa condição favorável à prosperidade é resultado de um ambiente de paz e de liberdade, bens imateriais, não mensuráveis por cálculos matemáticos e que todo o Ocidente, além de boa parte das outras regiões do globo, aprenderam a reconhecer como essenciais, pelo menos até agora.

Esse é o tipo de dilema cuja melhor solução exige estadistas convictos, dotados da consciência de que a balança comercial é um bem a ser preservado, mas não a qualquer custo

Tendo em vista que o elenco de sanções ainda mais duras que poderiam ser tomadas pela comunidade internacional não se esgotou, adiá-las reflete a falta de coragem e de determinação de muitos países e lideranças mundiais. Mais do que isso: constitui uma aposta arriscadíssima da própria ordem global, que pode ser seriamente modificada se tiranos dotados de armas potentes concluírem que podem sair impunes após a violação de soberanias nacionais, anexação de territórios ou extermínio de civis estrangeiros.

Portanto, é inadiável que os países ocidentais assumam a disposição de fazer significativos sacrifícios econômicos e diplomáticos nesse momento. Decisão que não é apenas dos chefes do executivo de cada país, mas de toda as respectivas populações. A liderança que se requer passa pela conscientização e disposição das próprias sociedades ocidentais.  É preciso colocar um fim realmente rápido e definitivo na guerra, salvando vidas e preservando a estabilidade internacional. Se as sanções econômicas forem suficientes para superar o imperialismo de Putin, elas só cumprirão seu propósito sendo impostas pelo maior número possível de países e se aplicadas com intensidade.

Quem ainda considera que o atual conflito diz respeito apenas a uma região específica da Europa, e por isso não vale a pena envolver-se, não entende o mundo conectado no qual vive. Se a decisão de reagir com mais afinco demorar, ela provavelmente virá tarde demais.

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