Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Se há algo de que o Brasil já estava precisando desesperadamente antes mesmo de a pandemia do coronavírus destruir a atividade econômica mundo afora, é emprego. Com as restrições ao funcionamento de muitas empresas, a prioridade hoje é a manutenção dos postos de trabalho já existentes, mas, quando o surto passar e os negócios forem reativados, a geração de emprego voltará a ser o item número um da pauta, e tudo o que puder ser feito para facilitar contratações será de grande valia. Por isso, é incompreensível que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tenha atendido a pedidos de líderes partidários, do centro à esquerda, retirando da pauta da casa a Medida Provisória 905, que criou o Programa Verde e Amarelo e, entre outras providências, facilita a contratação de jovens. O texto tinha sido aprovado na Câmara dos Deputados no dia 14 e, se não for votado até a segunda-feira, dia 20, perderá a validade.

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Para tomar essa decisão, Alcolumbre alegou a complexidade da MP, que exigiria dos senadores mais tempo de análise, e o fato de não haver um “acordo” entre governo, Senado e Câmara, por mais que uma comissão mista de deputados e senadores já tenha avaliado a MP e aprovado de forma quase unânime o parecer do deputado Christino Áureo (PP-RJ). Obviamente, também não ajuda o fato de Alcolumbre ter entregue a relatoria da MP no Senado a Rogério Carvalho, do PT, partido que tem aversão profunda a qualquer tipo de flexibilização da engessadíssima legislação trabalhista brasileira; o próprio relator é um dos que não gostariam de ver o texto sendo votado no Senado. Os líderes do governo prometeram se empenhar para conseguir recolocar a MP na pauta da segunda-feira, mas vários partidos já afirmaram achar melhor que o texto caduque, deixando em um limbo todos aqueles que já foram contratados pelo novo regime (e cuja situação dependerá de um decreto legislativo) e acabando com as esperanças de muitos outros jovens que poderiam conquistar o primeiro emprego nesta modalidade.

Quando, para prejudicar o presidente da República, jovens desempregados têm suas oportunidades cortadas ou cria-se um buraco negro fiscal, é preciso reconhecer que a disfunção está atingindo níveis perigosos demais

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Apesar dos motivos alegados por Alcolumbre para deixar a MP caducar, os próprios senadores admitem que a decisão está inserida no contexto mais amplo de embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional. A quinta-feira foi de ânimos acirrados, com Alcolumbre e Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, assinando nota conjunta criticando a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. À noite, em entrevista ao canal CNN Brasil, Bolsonaro subiu o tom e fez críticas duríssimas a Maia, especialmente devido às alterações feitas no Plano Mansueto.

Os termos escolhidos por Bolsonaro no calor do momento estiveram longe de ser felizes, mas o mérito de sua crítica é acertado. O que era um plano inteligente de incentivo ao ajuste fiscal de estados e municípios virou um projeto de socorro a governadores e prefeitos praticamente sem contrapartidas, cujo custo para o Tesouro (leia-se o contribuinte brasileiro) é impossível de avaliar no momento, e que até mesmo pode incentivar estados e municípios a prolongar desnecessariamente o fechamento dos negócios, já que a recomposição da arrecadação do ICMS e do ISS estará garantida. A equipe econômica preparou uma contraproposta que consiste em um meio-termo, com a oferta de um valor previamente definido aos estados e municípios em troca de algumas contrapartidas, especialmente relativas a gastos com pessoal, já que o funcionalismo deve passar ileso também desta crise, ao contrário dos trabalhadores da iniciativa privada. Maia já atacou essa proposta, e 25 governadores pediram ao Senado que mantenha o texto aprovado na Câmara.

As limitações de Bolsonaro no que diz respeito à articulação política são notórias. O presidente não conseguiu formar uma base aliada sólida, cometeu a proeza de rachar o que era a maior bancada da Câmara, recusa negociações por confundir diálogo com conchavo, e não pensa duas vezes antes de comprar brigas com quem quer que manifeste um mínimo de discordância, afastando até antigos aliados neste processo. Ninguém que esteja na linha de fogo é obrigado a aguentar estoicamente o bombardeio e, se Bolsonaro “tem a caneta”, como afirmou recentemente referindo-se a seu ministério, Maia e Alcolumbre têm a pauta do Legislativo e a influência sobre seus pares. No entanto, quando, no afã de prejudicar o presidente da República, jovens desempregados têm suas oportunidades cortadas ou cria-se um buraco negro fiscal que durará bem mais que o mandato de Bolsonaro, é preciso parar e reconhecer que a disfunção está atingindo níveis perigosos demais, que podem inviabilizar todo um país.