A dívida pública bruta brasileira vai romper o patamar de 100% do PIB ainda neste ano, alertou o Fundo Monetário Internacional no último dia 14, em sua edição mais recente do Monitor Fiscal. O relatório traz, ainda, uma série de outras previsões sobre o desempenho do Brasil neste ano de estouro de gastos causado pela pandemia do coronavírus: déficit primário de 12% do PIB (em 2019, havia sido de 1%) e déficit nominal – incluído o pagamento de juros da dívida – de 16,8% do PIB (contra 6% no ano passado). O FMI usa um critério mais severo que o do Banco Central para o cálculo da dívida como porcentagem do PIB – o FMI inclui também os títulos do Tesouro de posse do próprio BC, que os desconsidera em sua conta –, mas, por qualquer ângulo que se olhe, o panorama não é nada alentador e pede ações rápidas.
As contas públicas se deterioraram no mundo todo, segundo o FMI – a proporção dívida bruta/PIB global vai subir de 83% em 2019 para 98,7% em 2020, segundo as projeções mais recentes. No caso brasileiro, entretanto, há uma agravante: teremos dívida de país desenvolvido sem a confiabilidade de que essas nações gozam. A média de relação dívida/PIB prevista pelo FMI para os países emergentes no fim de 2020 é de 62,2%; os 101,4% previstos para o Brasil colocam o país mais próximo das dívidas das nações ricas, que representarão, em média, 125,5% do seu PIB no fim deste ano. A diferença é que países desenvolvidas altamente endividados conseguem rolar suas dívidas facilmente e pagando juros baixos, o que não é o caso brasileiro, mesmo com a Selic no menor nível da série histórica.
O Brasil caminha para ter dívida de país desenvolvido sem a confiabilidade de que essas nações gozam no mercado
O país poderia estar enxergando alguma perspectiva de saída desse atoleiro se o governo estivesse fortemente empenhado em retomar o quanto antes o ajuste fiscal, o enxugamento do Estado e o programa de concessões e privatizações. O que se vê, no entanto, é a pressão para burlar, furar ou até mesmo abolir o teto de gastos, além do esforço para bancar um programa de transferência de renda sem ter de cortar outros gastos. Como resultado, os investidores já vêm cobrando juros mais altos para comprar títulos da dívida brasileira, especialmente aqueles de médio e longo prazo – este indicador reflete de forma muito mais objetiva a confiança depositada no Brasil que as oscilações diárias do câmbio e da bolsa de valores, influenciadas também por outros fatores.
A manutenção dessa elevação da curva de juros levará o Brasil a cair em uma crise da dívida ou, nas palavras usadas por um relatório do Deutsche Bank, “abismo fiscal”. Um processo que Rodrigo Franchini, sócio de uma assessoria de investimentos, descreveu à Gazeta do Povo nos seguintes termos: “você não consegue reduzir esse juro local, porque é mau pagador; a sua dívida começa a se tornar impagável; você não tem mais margem fiscal para fazer qualquer investimento; a inflação sobe; o dólar vai continuar alto. Você não tem mais como fazer crescer a economia por meios fiscais e monetários, mas a sua dívida continua crescendo”.
E a resposta precisa vir logo. O FMI afirma que “preservar o teto de despesas constitucional como uma âncora fiscal é essencial para apoiar a confiança do mercado e manter o prêmio de risco contido”, e que, “na ausência de evidências inequívocas da manutenção do teto de gastos, qualquer despesa adicional poderia minar a confiança do mercado e elevar as taxas de juros”. O Brasil, que perdeu o grau de investimento graças ao desastre da nova matriz econômica lulopetista e até agora não o recuperou, pode ficar ainda mais longe do selo de bom pagador se não demonstrar com atos, e não apenas com palavras, seu compromisso com a retomada do ajuste fiscal, afirmou Samar Maziad, da agência de classificação de risco Moody’s.
A essa altura do campeonato, ninguém pode alegar ignorância, muito menos em Brasília. Respeito ao teto de gastos, reformas que reduzam o gasto estatal (como a administrativa) e desengessem o orçamento (como os “três Ds” propostos por Paulo Guedes), mais concessões e privatizações, aprovação de marcos regulatórios e novos passos na ampliação da liberdade econômica são o caminho obrigatório para escapar da armadilha do endividamento crescente e insustentável. Executivo e Legislativo precisam se comprometer em acelerar essa agenda; o Judiciário, em não criar entraves indevidos, especialmente sem inventar regras que amarrem as mãos do governo, como já ocorreu no passado. O empenho de cada um dos agentes públicos – presidente da República, ministros, deputados, senadores, membros do STF – na implantação do ajuste será indicador de sua disposição em trabalhar para construir a forma como o Brasil será visto pelo mundo.
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