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Editorial

A dupla armadilha cambial

Dólar câmbio
Detalhe de nota de 1 dólar. (Foto: Thomas Breher/Pixabay)

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A estrutura da política econômica após o sucesso obtido pelo Plano Real no combate à hiperinflação foi montada sob três pilares básicos: metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante. Iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, essa política foi mantida no primeiro governo Lula e se revelou acertada, pois o país conseguiu banir a hiperinflação que vinha castigando a sociedade havia bastante tempo, com o efeito de elevar a taxa de crescimento econômico e propiciar melhoria na distribuição de renda.

As esperanças de que o Brasil tivesse, enfim, conseguido criar as condições para o crescimento sustentável tão necessário à redução da pobreza acabaram ameaçadas pela grave crise internacional iniciada em 2007/2008. Essa crise tinha como causa principal o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, que contaminou a Europa Ocidental rapidamente e deixou expostos alguns pontos de vulnerabilidade da economia brasileira.

O Brasil vinha apresentando bom desempenho movido pelas elevações de preços das commodities exportadas pelo país, que contribuíram para acúmulo de US$ 350 bilhões em reservas cambiais e geraram uma situação confortável em matéria de contas externas. Esse aspecto criou um quadro favorável ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e ao controle da inflação, basicamente por ter melhorado a situação do balanço de pagamentos (contas do país nas relações com o resto do mundo) e ter mantido a taxa de câmbio em níveis relativamente baixos, lembrando que o câmbio mais baixo reduz os preços das importações na moeda nacional, freando a taxa de inflação.

Casuísmos, improvisações e amadorismo são os ingredientes de desastres econômicos, aumento da pobreza e atraso social

Entretanto, se no primeiro momento o baixo preço do dólar contribuiu para manter baixos os preços em reais dos produtos importados, na sequência essa mesma taxa de câmbio baixa se revelou desfavorável aos exportadores. É aqui que a taxa de câmbio se apresenta como uma armadilha, pois, se ela sobe e favorece o exportador, ela encarece as importações e pressiona a inflação para cima; mas, se ela cai e favorece o importador, prejudica o exportador e pressiona as exportações para baixo. De fato, não existe uma taxa de câmbio ideal ao ponto de não pressionar a inflação, não prejudicar o exportador e manter as importações com custos normais bem absorvidos pelo sistema produtivo.

Para um país que tem dois parceiros comerciais com elevada representação nas relações econômicas externas, a reação desses parceiros estrangeiros e sua política cambial podem beneficiar ou castigar duramente a economia interna. Um exemplo dessa realidade é o caso da China, que, como ocorreu naquela época, não é um país que deixa a taxa de câmbio flutuar ao sabor da realidade econômica, mas estabelece o preço da moeda estrangeira em termos da moeda nacional por decreto da autoridade dirigente. Em alguns períodos durante a crise financeira mundial, a China adotou tabelamento da taxa de câmbio em relação ao dólar, com desvalorização da moeda chinesa. O objetivo do governo chinês era favorecer o exportador de seu país e encarecer as importações, situação essa que prejudicava o Brasil, já que o Banco Central brasileiro mantinha a política de flutuação livre da taxa de câmbio.

Quando dois países se relacionam no mercado exterior, a chamada “paridade de armas” exige que o grau de liberdade de flutuação cambial siga a mesma política. Se um país adota o livre câmbio e o outro adota o tabelamento da taxa de câmbio pela autoridade monetária, e se, ainda por cima, o faz estabelecendo desvalorizações da moeda nacional, o jogo fica desigual, com prejuízo para o país que adotou a liberdade cambial. Naquela época da crise financeira e diante da política cambial chinesa, o governo brasileiro tentou minimizar os efeitos sobre exportações e importações jogando com a tributação, a exemplo da elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na venda de moeda estrangeira e a elevação do IPI sobre produtos importados, como o exemplo dos veículos trazidos do exterior.

Esse tema surgiu timidamente nos últimos meses, quando o preço do dólar atingiu 40% de aumento num período inferior a cinco anos. Em 2024, a moeda norte-americana teve um salto: de menos de R$ 5 no início do ano para R$ 5,75 no início de agosto, no momento em que o país caminhava para um quadro de queda dos preços das commodities exportadas. Foi nesse contexto que alguns analistas alertaram para uma possível pressão política sobre o Banco Central para “fazer alguma coisa” a fim de evitar a deterioração das contas externas do país e a consequente pressão sobre a inflação.

Aproveitando a oportunidade, alguns oponentes da política econômica baseada no tripé superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante, entre eles o próprio presidente Lula, iniciaram estocadas contra o Banco Central e, mesmo sem dizer claramente, passaram a boicotar o Ministério da Fazenda. Em resumo, os resultados das contas externas, as flutuações da taxa de câmbio e as medidas de política cambial combinadas com os resultados fiscais são os principais estopins a pôr fogo na inflação, quando os gestores demonstram incompetência técnica e agressão às boas teorias.

O dólar não retornou à máxima de agosto, mas o recado ficou evidente: casuísmos, improvisações e amadorismo são os ingredientes de desastres econômicos, aumento da pobreza e atraso social. É por isso que não há como esquecer o que Lula afirmou em março de 2023, no início de seu terceiro mandato: “os livros de economia estão superados; é preciso criar uma nova mentalidade sobre a razão de a gente governar”. O presidente, no entanto, não disse que teoria ele colocaria no lugar, ou mesmo se ele crê ser possível governar, crescer e prosperar sem teoria nenhuma, já que, segundo consta até mesmo entre seus aliados, Lula nunca demonstrou ser dado a estudar teorias e livros de economia. Ademais, o presidente certamente não é versado na história da dupla armadilha que a política cambial representa para todos os países que derrapam na administração da questão cambial.

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