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Donald Trump comemora vitória na eleição presidencial, no Centro de Convenções de Palm Beach, na Flórida.
Donald Trump comemora vitória na eleição presidencial, no Centro de Convenções de Palm Beach, na Flórida.| Foto: Cristobal Herrera-Ulashkevich/EFE

No início da manhã de quarta-feira (no horário de Brasília, madrugada nos EUA), o republicano Donald Trump conquistou a maioria necessária no Colégio Eleitoral para se tornar o próximo presidente dos Estados Unidos, derrotando a atual vice-presidente, Kamala Harris. Mesmo com a apuração ainda em curso em alguns estados, ele já ultrapassou os 270 delegados graças a vitórias em estados-pêndulo importantes, que ele havia perdido em 2020, como Carolina do Norte, Geórgia, Pensilvânia, Wisconsin e Michigan – no momento da publicação deste editorial, Trump também liderava em Nevada e Arizona. Para completar a vitória republicana, o partido tomará dos democratas a maioria no Senado e tem chances razoáveis de manter sua maioria na Câmara de Representantes (muitos distritos ainda estão apurando seus votos). Se conseguir a chamada “trifecta”, o Partido Republicano repetirá o cenário da primeira metade do mandato anterior de Trump, e que os democratas também tiveram nos dois primeiros anos da presidência de Joe Biden, dominando as duas casas do Congresso.

Por mais que os políticos democratas e seus apoiadores na opinião pública insistam em não admitir, o fato é que há motivos evidentes e numerosos para o eleitor ter colocado os republicanos de volta na Casa Branca e, provavelmente, entregar-lhes a maioria nas duas casas do Congresso. O “wokeísmo” identitário mobiliza uma minoria barulhenta, mas não ressoa entre a maioria da população, que tem outras prioridades. A inflação norte-americana pode estar controlada neste momento, mas já esteve em níveis até maiores que a inflação brasileira; os níveis de desemprego estão baixos, mas a economia está desacelerando. Com um discurso de combate às ideologias woke, redução de impostos, mais liberalismo e menos intervencionismo econômico, e combate à imigração ilegal, que se tornou desenfreada durante a administração Biden, Donald Trump se conectou mais com o cidadão comum que Kamala Harris.

Há motivos evidentes e numerosos para o eleitor ter colocado Donald Trump de volta à Casa Branca

Esse descolamento da realidade ficou evidente na forma como a candidata democrata fez do aborto uma das suas principais bandeiras de campanha. Tanto foi assim que o voto pró-vida acabou indo para Trump mesmo com algumas ressalvas. A ênfase do republicano em deixar os estados decidirem suas legislações sobre aborto, até mesmo com algumas críticas a leis como a da Flórida, que proibiu a prática a partir da sexta semana de gravidez, desanimou alguns líderes pró-vida, mas não o suficiente para que eles negassem seu voto a Trump, já que a alternativa era muito pior. Agora, os defensores dos direitos do nascituro esperam ver de volta o Donald Trump que governou de 2017 a 2021, aquele cujas nomeações para a Suprema Corte foram cruciais para a derrubada de Roe v Wade, e que, em um de seus primeiros atos como presidente, reativou a Política da Cidade do México, que impede financiamento federal a grupos que promovem o aborto fora dos EUA e foi derrubada por Biden em 2021.  

Especialmente em relação ao Brasil, será preciso prestar atenção à economia. Trump tem um discurso protecionista com o potencial de prejudicar as exportações brasileiras – embora isso não seja exclusividade dos republicanos: os democratas também costumam recorrer ao protecionismo quando lhes interessa, apenas disfarçando-o melhor, por exemplo recorrendo a tarifas relacionadas à questão ambiental. Além disso, o Brasil não é nenhum exemplo de abertura comercial, muito pelo contrário: é uma das economias mais fechadas do G20. Se Trump cumprir a promessa de trabalhar na base da reciprocidade, poderá acabar forçando por vias tortas uma abertura do comércio exterior brasileiro para que os nossos exportadores não percam oportunidades nos Estados Unidos, que hoje são o segundo maior parceiro comercial do Brasil.

No campo da diplomacia, a grande incógnita está em como Donald Trump lidará com a guerra na Ucrânia. A resistência ucraniana tem recebido enorme ajuda financeira e militar do governo Biden, mas durante a campanha Trump não foi muito explícito a respeito do que fará. O presidente eleito tem certa proximidade com o ditador russo, Vladimir Putin, e já prometeu que buscaria uma “solução rápida” para o conflito, o que desperta temores de que Trump force um desfecho que faça calar as armas, mas que não respeite a integridade territorial da Ucrânia, validando assim a agressividade russa. Este é o momento de Trump se lembrar da máxima de Ronald Reagan em 1985: “Devemos apoiar todos os nossos aliados democráticos (...) e não devemos trair a fé daqueles que estão arriscando suas vidas (…) para desafiar a agressão apoiada pelos soviéticos” (soviéticos esses dos quais Putin é herdeiro). A defesa da Ucrânia é a defesa do Ocidente; se Trump negociar com Putin tendo isso em mente, poderá construir uma paz verdadeira, em vez da “paz dos valentões” apoiada, por exemplo, pelo brasileiro Lula.

Por fim, um grande desafio de Trump foi mencionado por ele em seu discurso de vitória, na Flórida. “É hora de deixar as divisões dos últimos quatro anos para trás (...) temos de colocar nosso país em primeiro lugar ao menos por algum tempo”, afirmou. No entanto, como os próprios norte-americanos dizem, easier said than done: falar é fácil. Os democratas têm se empenhado, ao longo dos últimos anos, em demonizar Trump e seus apoiadores; nas últimas semanas, “nazista” e “fascista” se tornaram lugares-comuns para descrever o republicano. Seus eleitores foram chamados de “lixo” por Biden, mas já em 2016 haviam sido descritos como “deploráveis” por Hillary Clinton. O problema é que Trump também precisará amenizar sua retórica, bastante belicosa. Apenas com boa vontade de ambos os lados será possível fazer da política o que ela deveria ser: um campo de debates sobre projetos de país, em que o outro lado é um adversário a derrotar nas ideias e nas urnas, em vez de um campo de batalha onde há apenas inimigos a aniquilar.

A recordação da famosa expressão de Hillary Clinton, aliás, nos revela que, a julgar pelas reações dos democratas e seus simpatizantes, eles continuam demonstrando uma enorme dificuldade em enxergar a realidade. Políticos, jornalistas e anônimos dão novas demonstrações do que ficou conhecido como “Trump derangement syndrome”, enchendo as redes sociais com discursos apocalípticos sobre o “fim da democracia na América” ou o “fim dos Estados Unidos”, imaginando cenas como campos de concentração para imigrantes ilegais. Para explicar a vitória de Donald Trump (um homem branco com problemas na Justiça) sobre Kamala Harris (uma mulher com ascendência afro-americana por parte de pai e indiana por parte de mãe), é muito mais simples culpar o “ódio”, o “racismo” e a “misoginia” que tentar entender a mentalidade do povo americano com sinceridade e honestidade intelectual, como fizeram autores do porte de Mark Lilla e Jonathan Haidt. Enquanto estiver presa a esse modo binário de pensar, a esquerda seguirá sofrendo outras derrotas “inexplicáveis” como essa, e não apenas nos Estados Unidos.

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