• Carregando...

De repente, uma nova vila surgiu em Curitiba, incrustada no tradicional bairro de Santa Quitéria. Pequena ainda – poucas famílias de gente humilde e trabalhadora residem lá, algumas em casas de alvenaria e servidas de energia elétrica, embora sem saneamento básico. As ruas são de chão batido. Seu surgimento data de fevereiro deste ano e não chamaria a atenção de ninguém, pois parece enquadrar-se perfeitamente no processo natural de crescimento urbano da capital. Mas há um detalhe fundamental: a nova vila é apenas mais uma das muitas que nasceram e prosperaram na cidade como fruto de ocupações irregulares de imóveis particulares.

Por isso, trata-se de uma questão que merece ser examinada criteriosamente sob pelo menos quatro aspectos: o social, o político, o urbano e o legal. Pelo primeiro, constata-se o óbvio: as invasões de terrenos, sejam públicos ou privados, refletem o crônico problema do déficit de moradias, um fenômeno que, embora nacional, torna-se particularmente grave em Curitiba em razão de a capital paranaense constituir-se em centro de atração permanente de imensas levas de deserdados da modernização da agricultura que para aqui acorrem em busca de oportunidades.

Não se resolve este déficit apenas com o empenho de recursos públicos para a construção de conjuntos habitacionais, pois que na raiz do problema está o desemprego, a informalidade, a baixa qualificação profissional e, conseqüentemente, a exigüidade da renda familiar de grande parte dos que imigram para a cidade grande. Falta de moradias dignas é, portanto, sintoma e não causa. E o remédio mais eficaz para superá-la encontra-se, pois, na resolução das demandas sociais de base.

Entretanto – e aí entra o aspecto político que mencionamos no início –, a aflição dos grandes contingentes desprovidos de condições próprias para resolver o problema de onde morar com dignidade é transformada em campo fértil para todo tipo de exploração com objetivos claramente político-ideológicos. Tais contingentes têm se constituído, infelizmente, em massa de manobra para fins que se esgotam nas próximas eleições. Calcula-se que perto de 150 mil curitibanos residem em áreas obtidas à custa de ocupações ilegais, muitas delas estimuladas por pessoas que atuam a mando (ou sob proteção) de partidos ou de líderes políticos.

As ocupações irregulares cobram um alto preço em termos de planejamento urbano e de prejuízos ambientais, na medida em que interferem ou impedem o regular processo de utilização dos espaços, muitos deles situados em áreas que, em nome da saúde pública e do meio ambiente, deveriam ser preservadas.

Neste cenário, porém, há um quarto aspecto relevante – a questão legal. O surgimento da nova vila no bairro de Santa Quitéria só foi possível porque o Estado deixou de cumprir a sua obrigação constitucional de defender a lei e a ordem. As áreas sobre as quais ela nasceu e cresceu são particulares e, portanto, protegidas pelo direito de propriedade – uma cláusula pétrea da Constituição Federal. A pedido de seus proprietários, a Justiça determinou que o Estado procedesse a reintegração de posse. O que não foi feito.

Não se trata de caso único. A desobediência às ordens judiciais tem sido prática constante no Paraná – problema visível principalmente na área rural, algumas vezes com conseqüências funestas, como ainda recentemente se verificou no Oeste paranaense quando, num confronto armado que poderia ter sido evitado se o Estado cumprisse seus deveres, duas pessoas morreram.

Pelo menos 81 propriedades agrícolas permanecem ocupadas no Paraná por militantes de movimentos sem-terra. Sobre todas elas pesam medidas judiciais determinando que sua posse volte aos seus legítimos proprietários, mas o que se vê são postergações que só se justificam pelo propósito de manutenção das alianças político-ideológicas dos atuais governantes com os assim chamados movimentos sociais que atuam no campo e na cidade.

Não se prega a insensibilidade com os dramas humanos sociais e humanos dos despossuídos de terra ou de moradia. Ao contrário, exige-se dos poderes constituídos e de toda a sociedade preocupação e ação efetiva para dar solução às suas carências e para diminuir-lhes o sofrimento. Mas também não se deve atropelar a lei e instituir o caos. Este é o caminho mais curto para a instauração da violência.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]