Os advogados se abraçaram, o Planalto comemorou. Na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal bateu o martelo definitivamente sobre o destino de várias investigações que até então corriam sob o guarda-chuva da Operação Lava Jato. O imbróglio começou quando o ministro Teori Zavascki, relator dos casos que envolvem foro privilegiado, havia decidido, na semana passada, que as denúncias relacionadas à senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) deveriam ser encaminhadas a outro colega do STF, por não envolverem especificamente a Petrobras. O entendimento acabou confirmado na quarta-feira pelo plenário da corte. Como consequência, outra parte do mesmo caso, que envolve o ex-vereador petista Alexandre Romano, sai das mãos de Sérgio Moro e vai para a Justiça Federal em São Paulo. Embora a decisão do STF se refira apenas aos casos de Gleisi e Romano, ela abre um perigosíssimo precedente que coloca em risco a investigação como um todo.
O cartel e a chantagem de partidos sobre empresários são evidentes, mas eles foram apenas o instrumento de uma engrenagem mais abrangente
A tese de Zavascki, de que cabem a ele e a Sérgio Moro apenas os julgamentos que tenham a ver com os artífices da pilhagem da Petrobras, não é de todo desprovida de fundamentação técnica, mas ao mesmo tempo revela uma visão muito limitada do escopo da Lava Jato. A questão que se coloca é: qual a verdadeira narrativa do escândalo? O que as investigações estão buscando desvendar? Enxergar a Lava Jato apenas como o desmonte de um cartel de empreiteiras que agiu em conluio com diretores da Petrobras ávidos por abastecer seus partidos com dinheiro de propina é olhar a árvore e perder de vista a floresta.
O cartel e a chantagem de partidos sobre empresários são evidentes, mas eles foram apenas o instrumento de uma engrenagem muito mais abrangente. Trata-se de um esquema gigantesco pelo qual partidos, especialmente o PT, buscaram se apropriar da estrutura do Estado em benefício próprio. Todos os órgãos e empresas sob investigação – Petrobras, Caixa Econômica Federal, ministérios da Saúde e do Planejamento, Eletronuclear, BNDES, fundos de pensão – foram usados pelas mesmas pessoas com a mesma finalidade. É o que explicaram, com muita propriedade, tanto o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao dizer que “existe uma operação de mesma maneira, mesmos atores, mesmos operadores econômicos (...) não estamos investigando empresas nem delações, mas uma enorme organização criminosa que se espraiou para os braços do setor público”, quanto o procurador regional Carlos Francisco dos Santos Lima, para quem “quando falamos que estamos investigando esquema de compra de apoio político para o governo federal através de corrupção, estamos dizendo que os casos mensalão, petrolão e Eletronuclear são todos conexos porque dentro deles está a mesma organização criminosa” – ressalte-se a menção, aqui, ao golpe contra a democracia perpetrado pela cúpula petista no primeiro governo Lula. Uma leitura breve das sentenças de prisão já emitidas pelo juiz Sérgio Moro reforça a noção de que se trata de um esquema abrangente, do qual a Petrobras era talvez a peça mais importante, mas longe de ser a única.
A evidente conexão entre a corrupção na Petrobras e as denúncias envolvendo outros ramos da máquina estatal, portanto, oferecia fundamento para se defender a manutenção de todos os processos e investigações nas mãos da 13.ª Vara Federal de Curitiba, bem como da Polícia Federal do Paraná e da força-tarefa do Ministério Público – e do ministro Zavascki, no caso dos denunciados com foro privilegiado. Foi essa a argumentação de Gilmar Mendes, que, ao lado de Celso de Mello, foi voto vencido na sessão de quarta-feira. “O que se apurou, até o momento, é que o esquema criminoso foi replicado em diversos órgãos públicos, onde se reproduziu o mesmo modus operandi, com os mesmos agentes e as mesmas empreiteiras”, afirmou o ministro.
Mendes ainda ressaltou uma consequência prática da decisão tomada pelo STF: o inegável prejuízo à construção de um conjunto probatório que envolva todas as ramificações do esquema. Segundo o ministro, será preciso ter “um GPS para entrar nesse emaranhado, talvez a mais complexa organização criminosa que já se viu nesse país”. E, com grande franqueza, acrescentou que “o que se espera é que os processos saiam de Curitiba e não tenham a devida sequência em outros lugares. É bom que se diga em português claro”. Mendes pode até ter dito mais do que deveria, dado o seu cargo, mas esse temor está, sim, na mente de todo brasileiro preocupado com a corrupção, pois o desmembramento certamente não atende aos interesses do país.