A realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil já passou por três fases. A primeira, anos atrás, foi caracterizada pela euforia e ufanismo com que o presidente Lula e todo seu governo (inclusive a chefe da Casa Civil na época, Dilma Rousseff) tratou a escolha do Brasil para sediar o evento. No início, tudo foi vendido à população como se fosse o reconhecimento do progresso do país e do prestígio do governo, que atribuía a si todas as glórias. A expressão preferida de Lula para encher a si mesmo de elogios era "nunca antes na história deste país"... Essa primeira foi a fase boa, dos louros e das bravatas.
A segunda fase foi marcada pela dor de cabeça que acometeu os organizadores do evento, especialmente a Fifa, com a confusão e amadorismo no planejamento, aprovação, contratação e execução das obras, as quais podiam ser divididas em dois grupos. No primeiro grupo estavam os investimentos vinculados diretamente à realização dos jogos e incluem reformas de estádios, construção de estádios novos, ampliação de espaços e melhorias no entorno das arenas dos jogos. No segundo grupo estavam os investimentos em obras prometidas em função da Copa, mas que eram necessárias de qualquer forma, e incluíam a expansão dos aeroportos, a melhoria de seu funcionamento, as reformas de equipamentos aeroportuários, ampliação de vias de acesso e adaptações na infraestrutura das cidades-sede.
Nessa fase, o governo mergulhou na onda de descrédito e perdeu a confiança da população; nada parecia dar certo, a corrupção se espalhava e o extremo do estresse ocorreu quando o secretário-geral da Fifa fez críticas duras ao governo e à confusão na administração dos compromissos. Contribuíram para espalhar um clima de que tudo cheirava a incompetência e corrupção as constantes críticas das auditorias dos tribunais de contas, o estouro dos orçamentos iniciais e os elevados custos das obras, particularmente de determinados estádios.
Ainda antes do início do torneio veio a terceira fase, que foi marcada por uma onda de pessimismo e irritação da população com o excesso de gastos de dinheiro público para a Copa, além da percepção de que nada escapava da corrupção e do desperdício, e que as obras não ficariam prontas no prazo. A consequência foi a série de manifestações contra a realização da Copa no Brasil, a ponto de tanto Lula quanto Dilma terem dado demonstrações de surpresa e perplexidade diante da perda do apoio popular. O governo ficou assustado e a presidente Dilma tentou várias estratégias para reverter o quadro negativo que ameaçava não mudar nem mesmo após o início dos jogos.
Alguma trégua certamente a população daria, e os protestos deveriam arrefecer assim que a seleção brasileira entrasse em campo, como de fato ocorreu, apesar de episódios lamentáveis como o vandalismo em Curitiba no dia 16. Mas, qualquer que seja o resultado final nos gramados, uma coisa parece certa: o país entrará em uma quarta fase depois da Copa, quando não escapará de discutir por que tantos investimentos não ficaram prontos, por que houve tanto estouro de orçamentos e que razões tornam quase impossível que uma obra pública no Brasil seja feita no prazo certo, pelo preço certo e com a qualidade necessária.
Quem circular pelas cidades brasileiras notará a má qualidade das obras, como goteiras em aeroportos e afundamentos ou elevações em pistas asfaltadas há pouco mais de um ano (como ocorre em Curitiba, nas canaletas dos ônibus). Isso só reforça o senso comum segundo o qual superfaturamento, corrupção e falta de qualidade são marcas inerentes a tudo quanto é investimento público. A percepção da população pode não ser eivada de compreensão técnica dos problemas, mas revela profundo descontentamento com aquilo que é visível, ou seja, a má qualidade e os custos elevados dos investimentos.
A Copa ainda está em curso, mas temos de nos preparar para quando soar o apito final no dia 13 de julho: teremos uma boa oportunidade para ampliar o debate sobre as razões pelas quais o país tem tanta dificuldade de melhorar e evoluir em termos de ética pública e competência técnica, ambas necessárias para superar a pobreza e melhorar o padrão de vida da população. Na sequência, virá o período eleitoral, que por si só atua como fomentador das discussões. Porém, o país precisará de mais que discussões contaminadas por disputas políticas e direcionadas pelo marketing político.
Dê sua opinião
Você concorda com o editorial? Deixe seu comentário e participe do debate.