Quando surge uma crise nova, a tendência é que ela relegue a certo esquecimento alguns problemas antigos, por parecerem menos relevantes no momento, mesmo que tais problemas estejam na base do atraso, pobreza e miséria. Isso está acontecendo atualmente no Brasil. Há consenso internacional que os dois principais fatores para o crescimento econômico – logo, para o desenvolvimento social – são o capital físico e o capital humano. Se os recursos naturais são aqueles que vieram com o surgimento do planeta e distribuídos como estão em cada região do mundo, o capital físico e o capital humano podem ser construídos e aperfeiçoados por obra da ação humana, e tornados mais eficientes e mais produtivos.
No caso do capital humano, os efeitos sobre sua contribuição para o aumento da produtividade estão apoiados em pesquisas e estudos que começaram por volta dos anos 1850, na sequência da Revolução Industrial, e atualmente se sabe que os dois atributos essenciais para transformar o capital humano em um fator de boa qualidade, produtivo e capaz de construir uma nação rica, são a educação e o padrão de saúde da população, por consequência, esses atributos têm “repercussão coletiva” na determinação do progresso material e do desenvolvimento social. É por isso que as análises sobre a existência ou não de um sistema nacional público de saúde devem levar em consideração os aspectos econômicos, além das questões humanitárias e as de solidariedade social.
Ao lado do capital humano, desponta como decisivo para o crescimento da economia o capital físico, que pode ser dividido em infraestrutura física (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, sistemas de energia, telefonia, armazenagem etc.), infraestrutura social (escolas, hospitais, habitação, saneamento, creches etc.) e infraestrutura empresarial (prédios, máquinas, equipamentos, móveis, meios de transporte etc.). O capital físico de um país, seu tamanho e sua modernidade tecnológica derivam da taxa de investimento anual, que é a parcela do Produto Interno Bruto (PIB) composta de bens de produção integrantes das três infraestruturas citadas. O PIB é formado por bens e serviços de consumo mais os bens de produção, e a fração destes últimos representa a taxa de investimento que, ao longo dos anos, vai constituindo o estoque de capital físico nacional.
Para um país cuja população segue crescendo na faixa de 1% ao ano, estima-se que a taxa de investimento ideal em relação ao PIB deva estar na casa dos 25%, a fim de possibilitar o aumento anual do PIB em 5%. Aplicadas ao Brasil, essas relações permitiriam dobrar a renda por habitante em duas ou três décadas, condição essa necessária – porém, não suficiente – para transformar o país em um lugar sem miséria e sem pobreza. Sem expansão e a modernização do capital físico, o aumento do produto nacional não decola e a renda por habitante não cresce a ponto de tornar possível a superação do atraso e a eliminação da pobreza.
Na linguagem da contabilidade econômica nacional, a expansão do capital físico aparece com o nome técnico de “formação bruta de capital fixo” e, há anos, o Brasil vem tendo desempenho medíocre nessa variável: 17,8% em 2015, 15,5% em 2016, 14,6% em 2017, 15,2% em 2018, 15,4% em 2019 e, neste ano, ficará em torno dos 15%. O problema maior não está na taxa de investimento muito baixo num único ano. O problema grave é a baixa taxa de investimento persistente durante muitos anos, resultando em capital físico pequeno, insuficiente, envelhecido e atrasado tecnologicamente, minando assim as bases requeridas para o país chegar ao ano 2050 com renda por habitante em torno de US$ 25 mil/ano, valor esse que daria condições de vencer a pobreza e a miséria no nível em que se apresentam hoje. O país pode até conseguir alguma redução na desigualdade social, mas o baixo crescimento econômico resultante, entre outros fatores, do capital físico precário impedirá o atingimento do status de país desenvolvido, com pouca pobreza e sem miséria.
Não é uma equação fácil de resolver, sobretudo porque principalmente a infraestrutura física e a infraestrutura social, além de serem pequenas, estão muito envelhecidas em termos físicos e tecnológicos e, somente para modesta recuperação, estima-se investimento de 2% a 4% do PIB, sem contar o necessário para sua expansão. Entre as causas desse estado de coisas está o fato de o setor público retirar 35% do PIB em tributos efetivamente arrecadados e investir não mais que 2,5% desse mesmo PIB, desempenho muito ruim comparado com os padrões mundiais. A solução não é simples porque o orçamento público exige logo de saída a decisão de quanto será aplicado em formação de capital fixo, de um lado, e quanto será destinado a serviços públicos e programas sociais, de outro.
Os problemas sociais brasileiros eram tantos que o país optou por resgatar um pouco a dívida social e priorizar programas de transferência de renda aos mais pobres, o que tem seu caráter de nobreza e sensibilidade social. Mas, enquanto melhorava os programas sociais, o Brasil cometeu outros pecados graves, como o que constatou Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, ao mostrar que o governo é um dos responsáveis pela desigualdade de renda. O Ipea disse isso em estudo sobre os gastos com a máquina burocrática e os salários médios no setor público que, no conjunto dos três poderes e nas três esferas da federação, estão bem acima das médias do setor privado.
Há categorias de servidores públicos mal remunerados, logo, somente a existência de categorias com alta remuneração explica a concentração de renda constatada pelo Ipea. Governar é tratar de problemas complexos e desagradáveis, além de mexer com interesses corporativos, públicos ou privados. Mas o Brasil precisa mexer em suas feridas, caso queira sair do atraso algum dia.
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