A expressão “It’s the economy, stupid!” (“É a economia, idiota!”) ficou famosa quando James Carville, estrategista eleitoral de Bill Clinton na disputa pela presidência dos Estados Unidos, convenceu o então candidato de que o mote central da campanha deveria ser a economia. Como as eleições foram vencidas por Clinton contra o presidente que tentava a reeleição, George H. W. Bush (o pai), os maiores estrategistas políticos passaram a defender que a economia é o tema mais importante para decidir uma eleição. Recentemente, em função das consequências negativas sobre o bem-estar psicológico da população, surgiram opiniões sobre a excessiva valorização dos problemas econômicos em detrimento dos aspectos emocionais, como depressão, tristeza, desencanto e falta de esperança.
Um dos ensinamentos que as crises econômicas têm revelado é que elas, sobretudo as recessões, não têm apenas causas e efeitos contábeis, financeiros e econômicos. As crises têm também causas e efeitos políticos, culturais, psicológicos e comportamentais em geral. Por exemplo, os estudiosos da demografia estão revisando as projeções de crescimento populacional em função de uma possível redução da taxa de natalidade nos próximos anos, que seria causada pela pandemia de 2020 e o sofrimento material e emocional das famílias. Admite-se que haverá diminuição do número médio de filhos por mulher nos próximos anos, e isso alteraria a trajetória de crescimento da população nas próximas duas ou três décadas.
A perda do emprego, a redução da renda e o pânico com a falta de perspectiva passaram a responder por grande parcela dos males emocionais durante a pandemia
As consequências da pandemia e da recessão afetarão o estado de espírito e o comportamento da população depois que a Covid estiver controlada. Por consequência, as decisões e os atos econômicos praticados pelas pessoas serão afetados e, em larga medida, alterados. Até por isso mesmo, aquele mote da campanha eleitoral de Bill Clinton continua válido, pois, ainda que certos aspectos emocionais tenham derivado do isolamento social e do medo face à vulnerabilidade perante o vírus, foram a perda do emprego, a redução da renda e o pânico com a falta de perspectiva que passaram a responder por grande parcela dos males emocionais.
A pandemia e o medo da doença prenderam as pessoas em suas casas e causaram males na saúde mental das pessoas, como depressão e ansiedade. Se, além do sofrimento provocado pela pandemia em si, uma família vê o fim de seu emprego, a perda de sua renda e a dificuldade de encontrar nova ocupação, os problemas psicológicos se agravam significativamente e interferem nas ações econômicas da família. Assim, nesse tipo de situação, até os males emocionais têm sua causa nos problemas econômicos pessoais. Se, em condição normal e de crescimento, a economia já é relevante, em uma situação de crise sanitária que leve a graves consequências na economia familiar a economia se transforma em questão fundamental.
Não é preciso conhecimento científico dessa ciência, que o filósofo inglês Thomas Carlyle (1795-1881) chamou de “a ciência sombria”, para entender os principais elementos da economia que afetam diretamente a vida e o bem-estar material e emocional da sociedade. Entres os elementos principais estão a existência de um Produto Interno Bruto (PIB) em tamanho suficiente para dar emprego e renda a todos e abastecer a população dos bens e serviços necessários, o crescimento do PIB para absorver o crescimento da população e aumentar a renda por habitante, a estabilidade da moeda (ausência de inflação) como fator de manutenção do poder de compra e base para o crescimento, o equilíbrio financeiro do setor estatal e bons serviços públicos, e a expectativa de que as gerações seguintes terão oportunidades de trabalho capazes de proporcionar uma vida digna.
A economia tornou-se questão essencial nas disputas eleitorais não por seus elementos em si, mas pelo que ela significa em termos de padrão de vida média da população e, em última análise, em termos do bem-estar material e psicológico derivado. Por isso, a superação ou pelo menos a redução das dores e sofrimentos de ordem psicológica dependerá da capacidade em conseguir recuperar rapidamente o crescimento do PIB, o aumento do nível de emprego e a reposição da renda familiar dos prejudicados pela crise. Não há soluções mágicas nem milagres gerados pelo acaso. As soluções serão fruto do esforço, dedicação e capacidade de reação da sociedade e do governo, e esse é o grande desafio que a vida impõe ao Brasil – como de resto, ao mundo todo – nos anos pós-pandemia.
Tecnicamente, a recessão passou, mas a crise continua; o desequilíbrio estrutural das contas públicas é um problema que se agravou; a inflação ameaçou alguma elevação (embora nada indique que sairá do controle); e o desafio mais premente é construir as bases para elevar a previsão de crescimento do PIB. O circo político e a capacidade da política cotidiana de produzir montanhas de atos e fatos negativos tornaram-se uma constante no Brasil e viraram marca da vida política nacional. Os desafios dependerão de como governo e sociedade conseguirão emergir da crise e das perdas geradas pela pandemia e seus efeitos econômicos e sociais. Então, terminadas as eleições, o problema continua, mais que nunca, a ser a economia. Se há um alento que merece destaque, é o fato de o Brasil ter os recursos naturais e um conjunto de condições necessárias para obter expressivas taxas de crescimento e abreviar o tempo de recuperação.
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