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Editorial

A ingenuidade dos “pais do real”

Armínio Fraga foi um dos economistas responsáveis pelo Plano Real e que declararam apoio a Lula no segundo turno da eleição presidencial. (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

“Vai apenas congelar a miséria” – era essa a avaliação do candidato Lula em 1994, às vésperas do lançamento do real, etapa final do plano desenhado pela equipe do então ministro Fernando Henrique Cardoso para conter a hiperinflação. O PT foi um poucos partidos que, no Congresso, votaram contra os projetos de lei que instituíam o Plano Real, considerando-o mera ferramenta eleitoreira. Não era: a inflação foi efetivamente debelada, embora o Brasil viesse a sofrer efeitos de choques externos como as crises do México, da Rússia e da Ásia, todas entre 1995 e 1998 – ano em que Lula disputou novamente a Presidência, ainda atacando o Plano Real, chamando-o de “fantasia” e afirmando que Fernando Henrique havia jogado o Brasil em uma “enrascada”. A oposição petista ao real foi apenas um dos vários desserviços prestados pelo partido à nação antes mesmo de chegar ao poder – o PT também votou contra leis como a de Responsabilidade Fiscal e até mesmo contra a redação final da Constituição de 1988, não por considerá-la extensa demais ou desproporcional na concessão de direitos, mas porque desejava um texto bem mais radical à esquerda.

Agora, os pais do real resolveram se abraçar àquele que foi seu crítico mais feroz. Em nota conjunta, os economistas Edmar Bacha, Pedro Malan, Armínio Fraga e Persio Arida declararam voto em Lula neste segundo turno da eleição presidencial. Isoladamente, eles justificam sua decisão alegando o de sempre, os “riscos para a democracia brasileira”. A nota conjunta do quarteto, no entanto, não menciona nenhum tipo de ameaça. “Votaremos em Lula no 2º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia”, diz o brevíssimo texto. Uma expectativa que, no entanto, beira a ingenuidade.

Apoiar o petismo incondicionalmente esperando que Lula adote a responsabilidade fiscal sem ter prometido nada neste sentido deixará Bacha, Malan, Fraga e Arida fazendo companhia aos personagens Estragon e Vladimir, da célebre peça Esperando Godot

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes não terminaram esses quatro anos se destacando pela responsabilidade fiscal. Descontando-se a explosão de gastos causada pelas medidas de combate aos efeitos econômicos da pandemia – despesas de centenas de bilhões de reais que, no entanto, foram necessárias para evitar uma catástrofe ainda maior que a ocorrida graças ao “fecha tudo” –, este fim de mandato se caracterizou por uma série de gambiarras orçamentárias destinadas a contornar as limitações impostas pelo teto de gastos, como a PEC dos Precatórios e a PEC dos Benefícios. Se conseguir a reeleição, esta é uma das áreas em que Bolsonaro terá de corrigir a rota, retomando urgentemente o rumo do ajuste, até para não sofrer ele mesmo os efeitos das “bombas-relógio fiscais” armadas pelas últimas medidas. Mas ainda assim não há comparação entre o que ocorre agora e o que ocorreu na metade final da passagem petista pelo Planalto, quando a gastança desenfreada da “nova matriz econômica” levou o país à maior recessão de sua história, que não foi superada nem pelo estrago da Covid-19.

Bacha, Malan, Fraga e Arida, ainda por cima, caem na esparrela do “cheque em branco” pedido por Lula, que até agora não divulgou plano de governo, e na verdade não deu nem mesmo algum sinal de que pretenda realizar uma “condução responsável da economia” – todas as suas declarações, especialmente aquelas sobre o teto de gastos, apontam para a direção diametralmente oposta. Impossível que o quarteto de economistas não tenha prestado atenção às palavras de Guilherme Boulos (PSol), que vai para o Congresso como o deputado federal mais votado no estado de São Paulo: “as posições econômicas que o Meirelles [Henrique Meirelles, que também declarou apoio a Lula] defende são contrárias às posições econômicas que estão no plano de governo de Lula. O plano de governo de Lula é a revogação do teto. O Meirelles fez o teto. O plano do Lula é a revogação da reforma trabalhista. O Meirelles fez a reforma trabalhista”, disse o futuro deputado de extrema-esquerda no dia 3, em entrevista.

Apoiar o petismo incondicionalmente esperando que Lula adote a responsabilidade fiscal sem ter prometido nada neste sentido deixará Bacha, Malan, Fraga e Arida fazendo companhia aos personagens Estragon e Vladimir, da célebre peça Esperando Godot. A gastança está na essência do modo petista de administrar; se algo diferente disso ocorrer, será apenas por força das circunstâncias, como fez Lula no início de seu mandato, quando tinha Antônio Palocci como ministro da Fazenda e respeitou o tripé macroeconômico porque era preciso acalmar os mercados. Mas, assim que o petismo se viu em condições de trocar o tripé pela “nova matriz econômica”, o fez sem pestanejar. As lições do passado recente estão frescas demais para serem ignoradas.

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