Salvo alguma catástrofe de enormes proporções em Brasília, o próximo presidente da Câmara dos Deputados será Hugo Motta (Republicanos-PB), deputado federal em quarto mandato, apesar de ter apenas 35 anos. Ungido por Arthur Lira (PP-AL) para sucedê-lo, Motta já garantiu o apoio de vários partidos, que vão do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro, passando pela maioria das legendas do Centrão. O União Brasil, que tinha candidato próprio na eleição para a Câmara – o baiano Elmar Nascimento –, também já pulou para o barco de Motta; para acabar de vez com qualquer concorrência, falta apenas o PSD, cujo candidato é o também baiano Antônio Brito. Ainda que os dois candidatos insistam em permanecer na disputa, deverão fazê-lo à revelia de suas legendas.
Setores do PL, que tem a maior bancada da Câmara, chegaram a flertar com a ideia de uma candidatura própria, mas prevaleceu a posição de Bolsonaro e do presidente do partido, Valdemar Costa Neto, de apoio a Motta. A oposição pretendia condicionar o apoio ao candidato indicado por Lira à inserção, na pauta da casa, do projeto de lei que pretende anistiar os manifestantes do 8 de janeiro. O objetivo era impedir que Lira levasse os votos dos deputados do PL antes de entregar uma contrapartida considerada importante. Mas a estratégia naufragou completamente: o PL apoiará Motta apesar de Lira ter atrasado a tramitação do projeto de anistia, por meio da criação de uma comissão especial.
Ao que tudo indica, a mudança no comando da Câmara será apenas de nome, mas não de prioridades
O movimento foi visto como um aceno ao PT, porque Motta preenche quase todos os critérios que fazem dele um “golpista”, na novilíngua petista: votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff e do teto de gastos, em 2016, e da reforma trabalhista, em 2017; só depõem a favor de Motta diante do petismo os dois votos contrários à reforma da Previdência, em 2019. Mesmo assim, o apoio do PT ao nome de Motta teve o aval do presidente Lula, e o anúncio teve direito a elogios do líder do partido na Câmara, Odair Cunha (PT-MG), e à presença da presidente da sigla, Gleisi Hoffmann (PT-PR).
Por que o PT apoia alguém cujo histórico reúne praticamente tudo o que o petismo despreza? Por que o PL apoia o candidato de Lira, apesar de ter recebido dele exatamente o oposto do que pretendia no caso do projeto da anistia? A resposta é simples: cargos na Mesa Diretora. Ninguém explicou isso melhor que Bolsonaro, justificando o apoio do PL a Davi Alcolumbre (União-AP) na disputa pela presidência do Senado: “Ninguém está aqui para esconder a verdade de vocês. Nós sabemos da força do Alcolumbre, que deve ser o presidente [do Senado] no futuro. Nós, em 2023, jogamos com o [Rogério] Marinho e perdemos. Não temos espaço na Mesa Diretora e em comissões”, disse.
Já o PT, sendo governo, teria ainda mais a perder caso não esteja com o vencedor, e duas ocasiões recentes, nas quais o partido insistiu na candidatura própria apesar dos ventos contrários, devem ter bastado para a legenda aprender essa lição. Em 2005, Luiz Eduardo Greenhalgh perdeu para Severino Cavalcanti (PP-PE); dez anos depois, Arlindo Chinaglia foi derrotado por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que seria o responsável por abrir o processo de impeachment de Dilma. Mas o petismo não deve se contentar apenas com cargos na Mesa Diretora e um aliado de ocasião à frente da Câmara; o partido resolveu vender um pouco mais caro o apoio a Motta, pedindo também uma vaga no Tribunal de Contas da União, segundo relatos do próprio Arthur Lira.
Ao que tudo indica, portanto, a mudança no comando da Câmara será apenas de nome, mas não de prioridades. O Centrão seguirá exibindo sua força, buscando ampliar espaço no governo e controlar o orçamento; e não existe a mínima garantia de que projetos importantes para o país, como a PEC das Drogas ou o pacote antiativismo judicial, sigam adiante. O amplo “consenso” construído por Motta em torno de sua candidatura, no fundo, não tem relação com um projeto de Brasil, mas apenas com cálculos de poder e interesse, sem as mudanças reais tão necessárias para o país.
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