Enquanto alguns setores mais delirantes da esquerda brasileira ainda insistem na existência de um plano das “elites” para adiar ou até cancelar as eleições de outubro de 2018, a paranoia se torna realidade em um país vizinho: a Venezuela bolivariana que tanto povoa os sonhos dessa mesma esquerda. A Assembleia Constituinte, totalmente fiel ao ditador Nicolás Maduro, aprovou a antecipação do pleito que deveria ocorrer em dezembro de 2018 – agora, a eleição ocorrerá até o fim de abril, em data exata ainda não definida. E, em uma manobra conjunta, outra instituição totalmente aparelhada pelo chavismo, o Tribunal Supremo de Justiça, determinou que a Mesa da Unidade Democrática (MUD), grupo que reúne vários partidos de oposição, fique excluída da disputa.
Maduro se aproveita, assim, do enfraquecimento e da desorganização interna da MUD. Vários líderes oposicionistas continuam presos arbitrariamente, e os protestos de rua foram duramente reprimidos pelo regime chavista, com o emprego de milícias armadas e da Guarda Nacional Bolivariana. Além disso, os grupos que formam a coalizão de oposição têm visões divergentes sobre alguns temas, como a maneira de resistir à ditadura de Maduro e a participação nos pleitos organizados pela Justiça Eleitoral local, o que impede as legendas de unificar o discurso para enfrentar o governo.
A população, faminta e desarmada, pouco conseguiria fazer para reverter o estado atual de coisas
Não que a participação da oposição representasse alguma garantia de lisura: as denúncias de fraude nos dois últimos pleitos são inúmeras, e até mesmo a Smartmatic, que fornece as urnas eletrônicas usadas na Venezuela, já acusou Maduro de ter manipulado os números da votação que escolheu os membros da atual Assembleia Constituinte. Isso, claro, sem falar da versão bolivariana do voto de cabresto, em que funcionários públicos são coagidos e eleitores beneficiários de programas sociais precisam levar seu “cartão da pátria” aos locais de votação para que o poder chavista saiba quem votou, já que na Venezuela a participação eleitoral é facultativa.
Assim, o que temos na Venezuela é uma eleição de mentirinha, feita sob medida para dar algum verniz “democrático” para a perpetuação de Nicolás Maduro no poder. Nada diferente de “eleições” similares que ocorriam no Iraque de Saddam Hussein e ainda ocorrem na Coreia do Norte e em Cuba. Um mero teatro para manter ditadores no poder com alguma aparência de apoio popular.
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A comunidade internacional reagiu prontamente a este absurdo: 14 países americanos, incluindo Brasil e Argentina, reunidos no chamado “Grupo de Lima”, prometeram não reconhecer o resultado desta pantomima. Avaliação semelhante veio dos Estados Unidos, que até o momento têm tido a atitude mais firme contra o governo de Maduro, por meio de sanções econômicas.
O povo venezuelano está farto do bolivarianismo, e o demonstrou na última vez em que sua voz foi ouvida: nas eleições parlamentares de 2015, em que a oposição conseguiu maioria qualificada na Assembleia Nacional, o Legislativo do país. Desde então, Maduro esvaziou os poderes dos deputados, escapou ilegalmente de um referendo revogatório, sacou do bolso uma Constituinte ilegítima e fraudou eleições. A população, agora, está faminta e desarmada, e pouco conseguiria fazer para reverter o estado atual de coisas sem ser vítima de um banho de sangue, que Maduro não hesitaria em promover para manter seu poder. Resta a pressão internacional, que precisa encontrar um meio de ser mais firme contra o regime sem sacrificar ainda mais o povo venezuelano.