Mesmo com o segundo turno ainda por resolver em muitas cidades importantes, incluindo alguns dos maiores centros urbanos do país, analistas políticos já se dedicam a encontrar “vencedores” e “perdedores” das eleições municipais deste ano. É um trabalho que, de fato, já pode ser feito, especialmente em relação aos partidos que mais ganharam ou perderam prefeituras, em número e importância. Ainda assim, tal análise tem de levar em conta uma série de nuances que fazem do pleito municipal um evento um pouco diferente das eleições para a Presidência da República, governos estaduais, Congresso Nacional e Assembleias Legislativas.
Entre essas diferenças não está apenas o fato de que a proximidade entre candidatos e eleitores na disputa municipal torna muito mais frequente o voto por afinidade – a chance, por exemplo, de alguém escolher um candidato que conhece pessoalmente é muito maior em uma eleição para vereador que numa disputa para deputado federal. Também é importante compreender o papel das ideologias e convicções sobre temas importantes na disputa municipal.
Muitos eleitores mais ao centro tenderão a relativizar as opiniões de um candidato sobre grandes temas caso ele tenha se mostrado um bom gestor ou demonstre bom conhecimento de quais são os problemas da cidade
Como já lembramos neste espaço, gestores municipais têm uma reduzida margem de manobra em comparação com Executivos e Legislativos federal e estaduais, e isso também faz do voto na eleição municipal uma escolha menos ideológica para boa parte da população. Isso porque, independentemente da opinião do prefeito ou vereador sobre determinado tema sensível, nem sempre esse prefeito ou vereador terá chance de colocar em prática essas convicções simplesmente por não estarem ligadas a assuntos de competência municipal. As exceções mais evidentes talvez sejam o alcance das regulamentações econômicas, que afetam o clima para negócios nas cidades, e a educação, já que municípios são responsáveis pelo ensino infantil e pelos primeiros anos do ensino fundamental, e temas de comportamento aplicados à educação, como a ideologia de gênero, podem ganhar ou perder espaço de acordo com o perfil dos eleitos.
Evidentemente, tanto à direita quanto à esquerda há um eleitorado cativo que se guia pela ideologia em todas as escolhas eleitorais que faz, e isso explica, por exemplo, o fato de candidatos de esquerda e extrema-esquerda estarem no segundo turno em cidades importantes, como Guilherme Boulos (PSol) em São Paulo e Manuela D’Avila (PCdoB) em Porto Alegre, repetindo o que Marcelo Freixo (também do PSol) fizera no Rio de Janeiro em 2016. No entanto, os candidatos extremistas, ainda que consigam aumentar suas votações do primeiro para o segundo turno, encontram muito mais dificuldade em vencer pleitos municipais porque boa parte dos eleitores está menos interessada em ideologia que em uma gestão eficiente.
Isso quer dizer que muitos eleitores mais ao centro tenderão a relativizar as opiniões de um candidato sobre grandes temas de comportamento ou econômicos caso ele tenha se mostrado um bom gestor ou, se ainda não chegou a ocupar cargos públicos, demonstre bom conhecimento de quais são os problemas da cidade. Há vagas nas creches? Os postos de saúde funcionam bem? O lixo é recolhido devidamente? O transporte coletivo é eficiente? No pleito municipal, essas questões pesam muito mais para um número maior de eleitores que as opiniões dos candidatos sobre assuntos nos quais eles não terão nenhuma influência estando sentados em cadeiras de prefeito e vereador. E gestores bem avaliados existem em todos os campos do espectro político.
Também por essas características é muito difícil transpor os resultados de 2020 como uma prévia da eleição de 2022. A única relação que se pode fazer com alguma segurança neste momento diz respeito apenas ao “palanque”, ou seja, em quantos municípios um pré-candidato de 2022 (seja à Presidência, ao governo estadual ou a um cargo legislativo) poderá contar com o apoio do prefeito. De resto, trata-se de uma disputa bastante diferente, pois os grandes temas, incluindo a pauta de costumes, assumem muito mais relevância. A opinião de um candidato a presidente, deputado federal ou senador sobre assuntos como aborto, descriminalização das drogas e questões identitárias importa muito mais porque os detentores de tais cargos efetivamente terão poder de ditar políticas públicas sobre esses temas, ao contrário de prefeitos e vereadores. Os critérios de escolha mudam, e por isso não só é prematuro, mas também é impreciso fazer prognósticos para 2022 com base nos resultados deste ano.