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Resolução do CFM proibiu a prática de assistolia fetal para realização de aborto em caso de estupro, mas norma foi suspensa pelo STF.
Resolução do CFM proibiu a prática de assistolia fetal para realização de aborto em caso de estupro, mas norma foi suspensa pelo STF.| Foto: CFM/Divulgação

No Brasil, é raro que eleições para entidades de classe atraiam interesse do público geral, fora da área profissional que está sendo representada – a única exceção é a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela sua relevância histórica e sua participação em discussões importantes, como as relativas às liberdades democráticas. Este ano, no entanto, outra entidade “furou a bolha”: as eleições para o Conselho Federal de Medicina (CFM) também receberam muita atenção da imprensa e de formadores de opinião. E não é para menos: muitos debates importantes dos últimos tempos têm se centrado em assuntos nos quais os médicos ou foram protagonistas, ou têm muito a dizer na condição de especialistas.

Boa parte dessa atenção veio da enorme campanha midiática e institucional contra chapas apresentadas em vários estados – na eleição, cada unidade da Federação elege um conselheiro titular e um suplente para representá-lo no CFM. Tudo porque os médicos candidatos eram, por exemplo, defensores do direito à vida desde a concepção, ou têm posições contrárias à legalização das drogas, ambos temas que estão ou estiveram em discussão no Supremo Tribunal Federal recentemente. Raphael Câmara, candidato no Rio de Janeiro, foi o autor da corajosa resolução do CFM que proibia o uso do cruel método da assistolia fetal na realização de abortos tardios, aqueles feitos após a 22.ª semana de gestação, quando o feto já tem chances de sobreviver fora do útero – a resolução foi posteriormente derrubada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, em interferência clara na atividade profissional dos médicos. Outro dos candidatos, o infectologista paulista Francisco Cardoso, notabilizou-se durante a pandemia de Covid-19 pela defesa da autonomia médica na aplicação do tratamento que considerasse melhor, em concordância com o paciente, na ausência de conclusões irrefutáveis.

O CFM, responsável pelas normativas que regem o exercício da medicina, tem papel fundamental na garantia do direito mais básico de todos, o direito à vida, e na promoção do bem-estar dos brasileiros

Esses candidatos e suas chapas foram constantemente rotulados como “negacionistas” (o “insulto coringa” do momento), “obscurantistas”, “anticiência” e acusados de politizar o CFM e espalhar “desinformação”; sofreram inúmeras tentativas de impugnação, todas rejeitadas. Enquanto isso, e de forma bastante hipócrita, chapas alinhadas com a defesa de pautas caras à esquerda, como a legalização do aborto, ganhavam passe livre para promover suas ideias. O ex-presidente do CFM (e que se candidatara pelo estado do Mato Grosso do Sul) Mauro Ribeiro, em entrevista à Gazeta, elencou algumas das fake news disseminadas por esse grupo, como a de que o CFM havia defendido o “tratamento precoce” contra a Covid (na verdade, o conselho não se pronunciou sobre sua eficácia, limitando-se a defender a autonomia médica), e acusou a tentativa de transformar a entidade em “apêndice do governo do PT”.

No entanto, a pressão fracassou. Câmara, Cardoso, Ribeiro e outros candidatos que defendem aquilo que de fato diz a ciência em temas como o início da vida e o efeito das drogas no organismo foram eleitos e ajudarão a escolher o comando nacional do CFM pelos próximos cinco anos. O resultado demonstra que a maioria anônima dos médicos não se intimidou nem com a campanha desmoralizadora, nem com o fato de parte significativa da imprensa e dos formadores de opinião defenderem “consensos” forjados e práticas que claramente batem de frente com a nobre missão de salvar vidas e lutar pelo bem dos pacientes.

“Respeitarei a autonomia e a dignidade do meu paciente; guardarei o máximo respeito pela vida humana; (...) Não usarei os meus conhecimentos médicos para violar direitos humanos e liberdades civis, mesmo sob ameaça”, diz a versão atualmente usada do famoso Juramento de Hipócrates, feito por todos os médicos quando se formam – o texto original ainda dizia “a ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva”. O Brasil precisa de médicos que vivam guiados pelas palavras que proferem; o CFM, ao ser responsável pelas normativas que regulam o exercício da profissão, tem papel fundamental na garantia do direito mais básico de todos, o direito à vida, e na promoção do bem-estar dos brasileiros; que a recente eleição sirva para que a entidade seja voz relevante em defesa da dignidade humana.

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