O período eleitoral fez o Brasil bater um recorde mundial: o de interações nas mídias sociais. De 6 de julho, primeiro dia de campanha, até a noite de 26 de outubro, foram 674 milhões de interações só no Facebook, envolvendo 48,3 milhões de pessoas (pouco menos de um quarto da população brasileira). No último domingo foram quase 50 milhões de interações, considerando apenas as menções aos nomes dos candidatos ou expressões que remetem explicitamente à votação o número real, assim, pode ser ainda maior. O comentário jocoso segundo o qual o lado bom destas eleições foi que as pessoas passaram a discutir política como discutem futebol, e o lado ruim foi o de que as pessoas passaram a discutir política como discutem futebol, dá uma ideia do potencial das mídias sociais, mas também de como elas podem ser desvirtuadas.
Mídias como o Twitter e o Facebook serviram, por exemplo, para divulgar toda sorte de mentiras sobre candidatos, assimiladas e passadas adiante sem espírito crítico. O absurdo preconceito contra os eleitores de Dilma Rousseff, especialmente os nordestinos, já mereceu nosso repúdio logo após o primeiro turno preconceito, aliás, que, não bastasse ser abjeto, ainda se baseia em premissas frágeis, pois a presidente reeleita teve uma proporção considerável de votos no Sul/Sudeste, enquanto Aécio Neves conseguiu adesões consideráveis em vários estados do Norte e Nordeste, mesmo tendo perdido. O preconceito regional só enxerga a divisão em "estados vermelhos" e "estados azuis" e ignora todas essas nuances.
Isso faz soar ainda mais ridículo o clamor separatista que começou a pipocar nas mídias sociais logo após a divulgação do resultado do segundo turno. A Gazeta do Povo, que no passado lutou para que o estado do Paraná não fosse partido em dois, não pode endossar esse tipo de delírio que apenas confirmaria o discurso da divisão, repetidamente usado para demonizar a oposição ao atual governo. A única coisa que os que tomam a internet clamando pela secessão fazem é dar munição para ainda mais sectarismo. Somos todos brasileiros, e é pelo bem deste país que devemos trabalhar. É fato que há estados que recebem do governo federal muito menos do que entregam a ele. O próprio Paraná é um exemplo disso. Mas a indignação, ainda que seja justa, precisa ser bem canalizada, como no caso da luta por um pacto federativo mais racional.
Se o separatismo chama a atenção pelo ridículo, os pedidos de impeachment da presidente chamam a atenção pela precipitação característica de maus perdedores. As manifestações se baseiam, muitas vezes, em palavras de ordem genéricas que poderiam funcionar no Paraguai onde a Constituição mal redigida permitiu o impeachment de Fernando Lugo por "mau desempenho de funções" , mas não no Brasil. O que haveria de mais próximo a um crime de responsabilidade seria o suposto conhecimento, por parte da presidente, dos esquemas de propina na Petrobras. Mas falar em impeachment antes que se conclua toda a investigação que está apenas começando a respeito de um golpe nada simples em sua operação é, para usar uma palavra da moda, uma leviandade.
É preciso reconhecer que nem o preconceito, nem o separatismo, nem os pedidos de impeachment têm sido alimentados pelo comando da campanha derrotada; são muito mais a manifestação da revolta de uma parcela da população que tem acesso a meios de amplificar sua opinião pessoal e que ganha força no contato com quem tem uma visão semelhante aliás, o fato de as redes de amizades acabarem concentrando pessoas com pontos de vista parecidos serve para alimentar a polarização, diminuindo as chances de conhecer e entender quem pensa de outra maneira. As mídias sociais já não são uma realidade nova, mas ainda estamos aprendendo a bem usá-las, inclusive em momentos sensíveis como o período eleitoral. Vale a pena explorar seu potencial extraordinário; não nos desanimemos com os absurdos. Que saibamos vencer a tendência à polarização com abertura ao outro e à exposição serena de ideias. Vamos tratar de política na internet com convicção, sim, mas sem paixões cegas.
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