Ouça este conteúdo
Um mandato que começou com a esperança de finalmente livrar o Brasil do estatismo que marcou as últimas décadas caminha para seus meses finais sem ter muito o que comemorar em termos de privatizações, infelizmente. A pauta liberal defendida pela equipe econômica que assumiu em 2019 enfrentou uma “tempestade perfeita” formada por oposição até mesmo de outros ministérios, dos estatólatras e fisiologistas no Congresso, de regras inventadas pelo Supremo Tribunal Federal e de ações nas quais se misturam o técnico e o político. Nesta última descrição podemos incluir o adiamento da privatização da Eletrobrás, temporariamente paralisada graças a um pedido de vista feito na sessão desta quarta-feira, dia 20, do Tribunal de Contas da União (TCU).
O TCU e os tribunais de contas estaduais contam com um corpo técnico responsável por analisar os casos que chegam e apresentar seus pareceres. Mas as decisões, no fim, cabem aos ministros ou conselheiros, muitos dos quais tiveram carreira política antes de conquistar suas cadeiras. Dos atuais nove ministros do TCU, cinco pularam diretamente do Congresso Nacional para a corte de contas: os ex-deputados federais Augusto Nardes, Aroldo Cedraz e Ana Arraes (a atual presidente do TCU), e os ex-senadores Vital do Rêgo e Antonio Anastasia; some-se, ainda, o ex-ministro Jorge Oliveira. Não raro as cadeiras são ambicionadas pelos políticos, que só terão de deixar o TCU aos 75 anos, poupando-lhes o “aborrecimento” de precisar submeter periodicamente seu nome à preferência do eleitorado – para a vaga mais recente, Anastasia teve de derrotar os colegas senadores Katia Abreu e Fernando Bezerra. É neste ambiente, em que convivem o técnico e o político, que a privatização da Eletrobrás está em xeque.
A jornada brasileira rumo à segurança energética passa por diversas etapas, mas certamente inclui uma Eletrobrás mais eficiente, com capacidade de investimento e gestão mais dinâmica
A complexa operação, que será (caso realmente ocorra) a maior privatização deste governo Bolsonaro, foi dividida em duas partes para a análise do TCU. A primeira delas foi concluída em fevereiro, e já naquela ocasião o ministro Vital do Rêgo havia parado o processo por três meses – um mês de recesso e os dois meses de prazo máximo regimental para pedidos de vista –; ele votou contra a privatização por discordar dos valores envolvidos na operação, especialmente a outorga paga à União pela renovação dos contratos das usinas hidrelétricas da companhia, mas foi vencido no plenário. O atraso colocou pressão sobre a análise da segunda parte, pois o governo pretendia que o TCU desse o aval definitivo à privatização até abril, para que a oferta de novas ações – o meio escolhido para a privatização, diluindo a participação dos demais acionistas de forma que a União deixe de ser acionista controladora – ocorresse em maio.
Nesta segunda etapa, a área técnica pediu cinco correções e questionou o preço das novas ações que seriam colocadas no mercado – os valores propostos pelo governo são sigilosos, e a recomendação dos técnicos foi de que o TCU solicitasse a elevação desse preço. Nenhuma das recomendações, se acatadas pelo governo federal, atrasaria o cronograma; só o que poderia fazê-lo seria uma demora no julgamento por parte dos ministros – justamente o que acaba de ocorrer com o novo pedido de vista. Vital do Rêgo, novamente, solicitou 60 dias; Jorge Oliveira pediu uma semana. Os demais ministros insistiram em uma solução intermediária, de 20 dias, acatada por Vital do Rêgo.
Ainda que o resultado final não tenha sido tão ruim quanto poderia, os 20 dias já são uma derrota para o governo. Mesmo que Vital do Rêgo cumpra o prazo e a aprovação ocorra rapidamente, já não haverá tempo hábil para que a venda ocorra em 13 de maio; a próxima janela de oportunidade, nas contas do Planalto, se abriria em julho, porque será preciso esperar a divulgação de novos resultados trimestrais da estatal. O ministro da Economia, Paulo Guedes, havia alertado que deixar a privatização para depois poderia espantar interessados, especialmente fundos de investimento, pela proximidade do período eleitoral, até porque o petismo já deixou claro que, se tiver a possibilidade, manterá a Eletrobrás em poder estatal.
Este é um risco enorme. A jornada brasileira rumo à segurança energética passa por diversas etapas, mas certamente inclui uma Eletrobrás mais eficiente, com capacidade de investimento e gestão mais dinâmica. A privatização, apesar de todos os jabutis colocados pelo Congresso Nacional ao aprovar a venda, é a chave para que isso ocorra. A área técnica do TCU já deu seu aval ao processo de desestatização, desde que com algumas alterações importantes. Que não sejam os integrantes políticos do órgão a colocar tudo a perder.