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Elon Musk anuncia fechamento do X no Brasil.
Elon Musk, dono do X, anunciou fim do escritório da empresa no Brasil.| Foto: EFE/EPA/Zbigniew Meissner

A ideia de que é melhor sofrer uma injustiça que praticá-la vem da Grécia Antiga – a formulação mais conhecida está no diálogo Górgias, cujo autor, Platão, a coloca na boca de Sócrates, dito “o mais sábio dos homens”. Esta noção atravessou os séculos, sendo adotada pelas mais diferentes correntes filosóficas e religiosas, que sempre reforçaram a ilicitude de se cometer uma injustiça. Se esta é uma obviedade quando se trata de prejudicar um terceiro por vontade própria, muitos podem se ver em um dilema se a ordem para praticar uma injustiça vem de um superior – especialmente um superior que tenha nas mãos o poder estatal de coerção. O X, de Elon Musk, se viu diante desta situação e optou por uma resposta que poucos têm escolhido nos tempos que correm.

No sábado, a conta do departamento do X responsável por relações com governos publicou uma decisão de Alexandre de Moraes, que seria sigilosa, ameaçando a representante legal da empresa no Brasil com multa e prisão. Em 7 de agosto, o ministro havia ordenado a suspensão de algumas contas e perfis, “bem como de quaisquer grupos que sejam administrados pelos usuários seus, inclusive bloqueando eventuais monetizações em curso relativas aos mencionados perfis”, e a entrega dos dados cadastrais dos responsáveis por essas contas e perfis, concedendo ínfimas duas horas para o cumprimento da decisão. O X, no entanto, não derrubou as contas – os alvos da decisão são desconhecidos até o momento; a rede social se recusou recentemente a bloquear o perfil do senador Marcos do Val, mas não se sabe ao certo se o caso dele está ligado ao documento divulgado pelo X no sábado. Com o descumprimento da ordem, Moraes aplicou uma multa à empresa.

Resistir ao abuso, dizer “não” a uma ordem injusta, venha de onde vier, e arcar com as consequências é uma necessidade para quem não quer se tornar cúmplice da injustiça e do arbítrio

O que veio a seguir foi uma enorme demonstração de inépcia e autoritarismo. Moraes passou a mirar o representante legal do X no Brasil, mas foi atrás da pessoa errada, que já não ocupava o posto desde abril – uma informação facilmente apurável na Junta Comercial do Estado de São Paulo. Uma vez descoberto o nome da atual representante legal, há indícios suficientes para se concluir que a equipe do STF cometeu um erro de digitação no endereço de e-mail, o que impossibilitaria a localização da diretora. Com a ausência de resposta – totalmente explicável em caso de erro no envio da mensagem –, Moraes passou a presumir a má-fé da representante legal; na noite de sexta-feira, ameaçou-a de multa e prisão e ordenou seu afastamento da empresa caso a ordem judicial de censura não fosse cumprida em 24 horas, prazo que já se esgotou. Em resposta, afirma o X, “para proteger a segurança de nossa equipe, tomamos a decisão de encerrar nossas operações no Brasil, com efeito imediato”. Teoricamente, o fim de qualquer vínculo entre o X e aqueles que trabalhavam para a empresa no Brasil os impediria de sofrer consequências legais como as ameaçadas por Moraes.

Em inúmeras ocasiões a Gazeta do Povo já explicou, neste e em outros espaços, por que a suspensão completa de perfis é ilegal – já que o Marco Civil da Internet não prevê esse tipo de medida, dispondo apenas sobre a remoção de conteúdos específicos que constituam crime –, desproporcional e, sobretudo, inconstitucional, por configurar censura prévia ao privar os donos das contas banidas de se manifestar sobre qualquer tema, violando o direito à liberdade de expressão previsto no artigo 5.º, IV, da Carta Magna, bem como seu artigo 220, especialmente o parágrafo 2.º, segundo o qual “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Mas o que está em jogo aqui vai muito além das questões estritamente legais. As decisões de Moraes efetivamente forçam as empresas de mídia social a calar terceiros, seus usuários, em uma atitude que, como também já afirmamos, consiste em um “silenciamento puro e simples” e uma “uma versão moderna do que antigamente se chamava de ‘morte civil’”. Usa-se essas empresas como a longa manus do Estado para cometer uma enorme injustiça contra o cidadão, terceirizando o arbítrio.

Pouco importa, aqui, se o X havia cumprido ordens semelhantes no passado, ou se não toma a mesma atitude em outros países, o que revelaria certa hipocrisia da parte de Elon Musk ao dizer que “não haveria como explicar nossas ações sem ficarmos envergonhados” caso as ordens de Moraes fossem obedecidas. Fato é que, neste caso específico, a decisão de não cumprir uma ordem judicial que resultaria em uma injustiça contra terceiros é bastante defensável, quando não meritória. Rios de tinta já correram a respeito da desobediência civil, ideia que já existia muitos séculos antes de Henry David Thoreau cunhar a expressão. Resistir ao abuso, dizer “não” a uma ordem injusta, venha de onde vier, e arcar com as consequências – que, no caso do X, podem chegar à sua proibição no Brasil, a julgar pelo que disse Luís Roberto Barroso, o colega de Moraes que se diz iluminista, mas não passa de déspota esclarecido – é uma necessidade para quem não quer se tornar cúmplice da injustiça e do arbítrio.

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