O resultado da eleição parlamentar francesa convocada antecipadamente por Emmanuel Macron consagrou o impasse. Não apenas os três grandes grupos formados na Assembleia Nacional – a Nova Frente Popular (180 deputados); o Ensemble, de Macron (159 deputados); e o Reagrupamento Nacional (142 deputados) – se detestam mutuamente, impedindo qualquer coalizão que tenha a maioria de 289 cadeiras, mas os próprios esquerdistas que formaram a NFP também têm suas rivalidades internas. Quando finalmente estes últimos superaram suas divergências, definindo sua escolha para o posto de primeiro-ministro, Macron resolveu recusar o nome e manter interinamente seu aliado, o demissionário Gabriel Attal, até meados de agosto.
A NFP é formada por quatro legendas: o Partido Socialista, o Partido Comunista Francês, os Ecologistas e os radicais do A França Insubmissa (LFI), de Jean-Luc Mélenchon. Os socialistas, que já foram uma das maiores forças políticas da França, bloquearam as negociações internas para a escolha de um primeiro-ministro, insistindo que o nome viesse de suas fileiras, apesar de o partido responder por apenas um quinto de todas as cadeiras conquistadas pela NFP. O nome da ex-deputada Huguette Bello, sugerido pelos comunistas, teve o endosso dos Ecologistas e da LFI, mas não dos socialistas, o que levou Mélenchon a paralisar temporariamente as negociações. Quando elas retornaram, foi a vez de a LFI recusar Laurence Tubiana, sugerida pelos socialistas com apoio dos comunistas e dos ambientalistas. Por fim, na terça-feira, os quatro partidos concordaram com a indicação de Lucie Castets, diretora financeira da prefeitura de Paris (hoje comandada pelos socialistas).
A jogada que tinha como objetivo frear a ascensão da direita nacionalista de Marine Le Pen terminou com uma possível paralisia legislativa que deve durar pelo menos um ano
A Assembleia Nacional eleita semanas atrás já está trabalhando – no primeiro dia de sessões, em 18 de julho, os deputados reelegeram Yaël Braun-Pivet, aliada de Macron, como presidente da casa – e, portanto, poderia votar o nome de Castets para a chefia de governo. Mas Macron recusou essa possibilidade alegando a proximidade dos Jogos Olímpicos, que começam oficialmente nesta sexta-feira em Paris – algumas competições já estão sendo disputadas antes mesmo da cerimônia de abertura. “A questão não é um nome indicado por um partido político. Precisamos nos concentrar nos Jogos até meados de agosto. A partir de então, será minha responsabilidade nomear um primeiro-ministro com o mais amplo apoio possível”, argumentou Macron – os Jogos Olímpicos terminam em 11 de agosto.
O argumento é no mínimo incoerente. Quando Macron resolveu dissolver a Assembleia Nacional e convocar novas eleições (que só estavam programadas para 2027), sabia que uma campanha extremamente polarizada coincidiria com a reta final de preparações para a maior competição esportiva do mundo na capital francesa. Sabia, também, que havia chances de um resultado que não desse a maioria absoluta a nenhum grupo político, forçando negociações que poderiam se estender, como realmente aconteceu. Nada disso, no entanto, o fez repensar o timing de sua aposta política – por exemplo, esperando até o fim dos Jogos Olímpicos para disparar o processo eleitoral, mantendo até lá a Assembleia Nacional eleita em 2022.
No fim, a jogada que tinha como objetivo frear a ascensão da direita nacionalista de Marine Le Pen terminou com uma possível paralisia legislativa que deve durar pelo menos um ano, já que novas eleições não podem ser convocadas antes disso. A não ser que dois dos três grupos antagônicos concordem com uma aliança de pura conveniência, o roteiro dos próximos meses é o de sucessivos primeiros-ministros sofrendo votos de desconfiança. A recusa de Macron em nomear imediatamente a escolhida dos esquerdistas é apenas a cereja do bolo do impasse. Resta saber até que ponto o eleitor responsabilizará o presidente francês pela potencial ingovernabilidade do país.
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