Dilma Rousseff, em viagem à Rússia para a cúpula dos Brics na semana passada, resolveu fazer uma “escala técnica” em Portugal – mas não em Lisboa, cidade que já lhe deu uma grande dor de cabeça em janeiro de 2004, ao retornar da Suíça. Desta vez, a cidade escolhida para o pernoite foi o Porto (embora uma informação inicial apontasse a capital portuguesa como o local da escala). A 120 quilômetros dali, em Coimbra, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, participavam de um evento com outros juristas. Cardozo contou a Lewandowski que Dilma estaria por perto, e o presidente do Supremo pediu ao ministro que costurasse um encontro com a presidente da República, na noite de 7 de julho, para conversar única e exclusivamente sobre o reajuste salarial dos funcionários do Judiciário, tudo feito da forma mais republicana possível – ainda que o encontro jamais tenha constado da agenda oficial de Dilma, Lewandowski e Cardozo.
Esta é a história na qual os envolvidos gostariam que o Brasil acreditasse – na verdade, os envolvidos teriam preferido que o Brasil nem soubesse do encontro, mas foram vencidos pelo jornalista Gérson Camarotti, do portal G1 e do canal Globo News. Não é o primeiro “encontro casual” que levanta suspeitas envolvendo o ministro da Justiça: no início deste ano, um advogado da UTC, uma das empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, também esbarrou sem querer em Cardozo em Brasília, na antessala do gabinete do ministro, enquanto esperava um deputado com quem tinha marcado um almoço – pelo menos foi o que contaram para explicar o ocorrido.
Dilma, Lewandowski e Cardozo dão motivo para quem questiona a integridade do trio
A pergunta que todos fazem, diante da versão oficial, é simples: para tratar de um assunto como o reajuste dos servidores do Judiciário, era preciso que Dilma e Lewandowski atravessassem um oceano? Que o presidente do STF se deslocasse 120 quilômetros de Coimbra ao Porto, quando podia simplesmente atravessar uma praça em Brasília? Que o encontro não constasse de agendas oficiais?
Esse encontro às escondidas levanta suspeitas especialmente porque o Supremo Tribunal Federal, presidido por Lewandowski, pode ser chamado a decidir o futuro de Dilma Rousseff em pelo menos dois casos delicadíssimos. Num deles, o Tribunal Superior Eleitoral está avaliando se houve abuso de poder econômico na campanha para a reeleição de Dilma, em 2014. Na pior das hipóteses, a candidatura poderia ser impugnada, levando Dilma e o vice-presidente, Michel Temer, a perderem os cargos. Um recurso contra essa decisão seria apreciado pelo STF.
Além do front eleitoral, Dilma também está na mira do Tribunal de Contas da União, que avalia as contas da presidente, manchadas pelas “pedaladas” e outros recursos igualmente criativos para maquiar a contabilidade oficial. Uma eventual rejeição das contas pelo TCU daria à oposição o pretexto necessário para iniciar, no Congresso Nacional, um processo de impeachment – mas o governo pode impedir esse desfecho recorrendo ao STF contra uma decisão desfavorável do TCU. Caso o Supremo dê razão ao Executivo, frustraria os interessados no impeachment.
Para Dilma e Lewandowski valem os mesmos critérios que a Gazeta do Povo já aplicou ao ministro da Justiça no caso dos encontros com advogados de empreiteiras investigadas. Que os chefes do Executivo e do Judiciário conversem entre si é natural, e efetivamente há temas que exigem diálogo entre ambos (como o próprio caso do reajuste dos servidores, que terá impacto nas contas públicas e no ajuste fiscal); o grande problema é a ausência total de transparência que envolveu o encontro em Portugal: uma reunião clandestina, sem constar de nenhuma agenda oficial, com todas as circunstâncias envolvidas, incluindo o contexto das acusações envolvendo o nome da presidente da República. Ao agir como agiram, Dilma, Lewandowski e Cardozo dão motivo para quem questiona a integridade do trio e coloca em dúvida a independência do Poder Judiciário em relação ao Executivo, em mais uma demonstração de como o lulopetismo age para rebaixar as instituições democráticas brasileiras.