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Passada em parte a tristeza e a comoção da morte do ex-presidente argentino Néstor Kirchner (1950-2010), que exerceu mandato entre 2003 e 2007, o Partido Justicialista (PJ), fundado por Juan Domingo Perón, do qual era o principal líder, começa a se movimentar em busca de uma saída para o futuro da principal instituição política do país e da própria nação. No foco central desse intrincado processo está a presidente Cristina Kirchner, viúva e herdeira política número um do neoperonismo instituído pelo seu marido, na moderna Argentina. A pergunta que continua no ar é: sem Néstor, Cristina conseguirá manter a liderança do PJ e estabelecer um plano que possibilite uma transição política sem traumas para o país?

Nem a própria presidente argentina escondia que Néstor Kirchner era a figura mais emblemática do seu governo. Líder oficial e grande articulador do PJ, deputado eleito em 2009, Néstor participava de todas as principais decisões. Ao contrário de Perón e de muitos de seus sucessores, com pouco carisma, Néstor era um intelectual de refinado trato, discreto, que agia nos bastidores políticos com uma habilidade incomum. Assim construiu a sua liderança. Na Argentina, costumava a dizer que Cristina, o governo e o kirchnerismo (a ala mais forte do PJ) eram "nestordependentes".

Esse grande vazio político que se escancarou na Casa Rosada é justamente o que mais preocupa os argentinos, no momento. Cristina, que já enfrentava duras dificuldades pelo descontrole dos índices de inflação, pelas denúncias de corrupção e pelo embate com a imprensa e o setor agrícola, vê agora o projeto político dos Kirchner, de permanência no poder a longo prazo, com grandes chances de fracassar.

Néstor era pré-candidato à Presidência no pleito de 2011. Sua súbita morte antecipa uma decisão crucial que Cristina só pensava em ter de tomar dentro de cinco anos (pois acreditava piamente na vitória do marido no futuro pleito): disputar uma nova eleição presidencial. Dentro do PJ, só ela, hoje, pode enfrentar o maior favorecido com o desaparecimento de Néstor, Eduardo Duhalde, o seu maior rival político. O vácuo de poder abre também espaço para o sindicalismo oficialista do PJ. Nesse cenário, Hugo Moyano, líder do maior sindicato do país, a Confederação Geral do Trabalho, que ocupa a chefia interina do peronismo em Buenos Aires, mostra-se como um dos nomes que vêm ganhando capital político.

O principal nome da oposição é Julio Cobos, vice-presidente de Cristina. Em 2007, ele deixou a União Cívica Radical (UCR), mais tradicional rival do peronismo, para formar chapa com Cristina, que o escolheu como vice para ampliar seu apoio além do PJ. Mas Cobos rompeu a aliança um ano depois da posse, durante o conflito com os ruralistas.

Como presidente do Senado e tendo direito ao voto de minerva, Cobos ganhou popularidade em julho de 2008, quando desempatou uma votação, derrubando o pacote tributário que elevaria os impostos sobre as exportações agrícolas. Os peronistas chamam Cobos de "traidor" e Cristina o excluiu das atividades oficiais, mas sem poder demiti-lo. Hoje, no entanto, é o político argentino mais bem avaliado pela opinião pública.

Com muitas variáveis em jogo, o que é possível afirmar, no momento, com segurança, é que o futuro político de Cristina Kirchner é extremamente difícil. Só um fato excepcional poderá mantê-la no poder depois de 2011. É bom lembrar, contudo, que a Argentina, no passado, em condições políticas quase semelhantes, já teve precedentes dessa natureza.

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