A Polícia Federal indiciou criminalmente cinco pessoas acusadas de envolvimento no vazamento da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Além de causar prejuízos inestimáveis a milhões de jovens brasileiros que estavam se preparando para este exame, o ato criminoso deixou um rombo de mais de R$ 30 milhões no orçamento do Ministério da Educação, pois novas provas precisarão ser aplicadas nos dias 5 e 6 de dezembro. É claro que, nesses casos, não poderiam ser outras as decisões do ministério: adiar o exame e desqualificar o consórcio de empresas que havia sido contratado, por meio de licitação pública, para executar esses serviços. O escândalo indicou, afinal, que o cuidado com o esquema de segurança que cerca o Enem precisa ser ainda maior. Mas a grande lição deixada pelo episódio diz respeito à liberdade de expressão e à atuação jornalística.
Graças à responsabilidade do jornal a cujos repórteres foi oferecida a cópia da prova, o vazamento foi descoberto. Ao manter-se firme na postura de não pagar por informação e, mais que isso, de denunciar a fraude que chegou a seu conhecimento, O Estado de S. Paulo mostrou o valor do jornalismo responsável em um campo de grande interesse social, como é a igualdade de oportunidades na educação. A reportagem que denunciou o vazamento do Enem impediu, afinal, a realização de um exame cujo resultado contará pontos para o ingresso em um grande número de instituições de ensino superior. Em suma, a correta atuação jornalística evitou a injusta situação de estudantes concorrendo a vagas universitárias sem igualdade de condições.
Eis a boa notícia. Ela é ampliada pela constatação de que não faltam em todas as regiões do país exemplos desse protagonismo da mídia. A liberdade de imprensa, exercitada com responsabilidade e com respeito à diversidade de opiniões, constitui-se em elemento essencial para evolução e o amadurecimento da sociedade. Mas nem tudo vai bem nesse campo. Apesar de todos os avanços democráticos do país, ainda ocorrem lamentáveis episódios de cerceamento à livre expressão.
O mesmo jornal que trouxe à luz o vazamento do Enem está proibido de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, por decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A operação investigou negócios supostamente fraudulentos da família Sarney. O Conselho Especial de Justiça do DF já afastou Vieira desse processo, mas, paradoxalmente, ainda não se pronunciou sobre a liminar, concedida por ele, que impede O Estado de S. Paulo de cumprir seu dever de bem informar.
A questão, tratada, em geral, sob a perspectiva da censura prévia, em afronta direta à Constituição Federal, pode ser analisada sob outro enfoque: o interesse público a ser garantido pela divulgação das informações apuradas pelo jornal se sobrepõe ao direitos privados dos investigados. Tal qual o desembargador Dácio Vieira, seria possível argumentar que estava em jogo a proteção ao segredo de justiça. Ocorre que, como já mencionamos outras vezes nesse espaço, todo o direito tem por correspondência um determinado dever. No caso do segredo de justiça, o dever de sigilo pesa sobre o próprio juiz e todos os que trabalham nos autos sigilosos (advogados, partes, serventuários da Justiça). Se as informações chegaram às mãos dos jornalistas, não faz sentido e não é lícito proibir que elas sejam trazidas à luz, especialmente quando é evidente o interesse público no tema.
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