De boas intenções, o inferno está cheio, diz o velho adágio. Vê-se boas intenções entre aqueles que, nos últimos meses, debatem o Código Florestal Brasileiro – de um lado os que defendem as pesadas restrições impostas à exploração agropastoril das terras com o objetivo de proteger o meio ambiente; de outro, os que vêem no dispositivo um exagerado compêndio de normas que acabam por inviabilizar a produção de alimentos.

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Em tese, o Código traduz uma justa preocupação não só dos ambientalistas, mas de toda a sociedade, pois, afinal, não se pode destruir a natureza em nome da ganância comercial ditada pelo grande mercado de produtos agrícolas. Proteger florestas e rios faz parte da imperiosa necessidade de preservar o planeta e, consequentemente, a vida humana. Logo, parecem estar carregados de boas intenções os que, como o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e seus seguidores, defendem com ardor radical o integral cumprimento do Código.

Há, porém, o lado oposto. Alinham-se nele os que, como o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e a maioria absoluta dos produtores rurais brasileiros, defendem a flexibilização das rígidas normas estabelecidas, pois, no seu entendimento, se obedecidas integralmente, tais normas simplesmente inviabilizariam a exploração agropecuária no país, provocando graves prejuízos econômicos e sociais. Reconheça-se que está presente também neste lado a sincera boa intenção.

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Dentre as exigências apoiadas pelos primeiros e criticadas pelos demais está, por exemplo, a de que os rios e nascentes devem ser protegidos por matas ciliares de no mínimo 30 metros de largura para cada lado – dimensão que aumenta gradativamente de acordo com a largura do curso d’água. São também as propriedades rurais obrigadas a manter matas em seu interior equivalentes a 20% da área da propriedade.

Quando se trata de um grande imóvel rural, tais exigências podem não significar grandes perdas em relação ao potencial produtivo agrícola da propriedade. Há, porém, realidades que podem torná-las impraticáveis ou, no mínimo, serem causa de enormes prejuízos não só para os proprietários rurais como para toda a cadeia econômica e humana que se segue.

Há um dado que bem demonstra o impacto do Código Florestal. Se ele for aplicado em sua integralidade, 71% do território nacional seria ocupado exclusivamente por rios e florestas, restando outros 29% para ocupações urbanas e para a exploração agropecuária. Considere-se que, no remanescente teoricamente agricultável, certamente se incluem áreas que por questões de qualidade de solo, clima ou de topografia não são próprias para a atividade agrícola.

Ora, é evidente que tal realidade, altamente restritiva, não combina com o desenvolvimento econômico do país, com a criação de empregos e com a necessidade de frear o êxodo rural. Não combina sequer com apelo dos que querem a reforma agrária para assentar as milhões de famílias expulsas do campo. Não há como juntar as duas partes – o exagero das medidas protecionistas ambientais com as demandas da produção – mesmo porque também não se pode deixar de concordar que a oferta de alimentos (no âmbito das necessidades de subsistência interna e das exportações que geram divisas) é elemento essencial para a paz e para a segurança social e econômica do país.

Isso posto, parece-nos claro que a virtude está no meio. Não se trata de subir ao muro cômodo da falta de convicção, mas de perceber que os exageros de parte a parte não podem ser aceitos placidamente. Há que se estabelecer o bom senso, o que inclui obviamente o reconhecimento por parte das autoridades da existência de distintas realidades neste Brasil-gigante. O que pode ser válido para a Amazônia ou para o Cerrado não o é, necessariamente, para o Paraná, um estado cuja estrutura agrária é formada por 85% de propriedades com menos de 50 hectares. A aplicação do Código sobre elas significa pode significar uma sentença de morte econômica, o que desencadeia prejuízos sociais mais do que óbvios. As situações regionais do Brasil precisam ser levadas em conta e essa flexibilização tem de levar em conta a preservação do meio.

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A produção de alimentos e a proteção ambiental são, ambas, metas essenciais em qualquer governo responsável. E, como é evidente, são interdependentes, daí a importância de uma coexistência harmoniosa. Tratá-las como valores isolados – e até excludentes, como tem ocorrido nas discussões sobre o Código Florestal – é perder o foco do debate. Ao fim e ao cabo, tanto a agricultura quanto a ecologia existem em função de um bem maior: a vida humana.