A atual administração do Banco Central poderia muito bem inaugurar um cartaz em sua sede, com os dizeres “Estamos há 10 dias sem receber críticas infundadas do presidente Lula”. Depois que uma série de falas do petista, no início deste mês, instalou um clima de desconfiança no mercado, levando o dólar à marca de R$ 5,70, o presidente moderou o discurso e a moeda norte-americana perdeu fôlego, recuando para a casa dos R$ 5,40 – uma cotação ainda alta em comparação com os R$ 5 registrados poucos meses atrás. A nova postura não significa, obviamente, que Lula tenha mudado de ideia; as afirmações mais recentes estão mais para uma contenção de danos que para uma reviravolta de opinião. Se no fim de julho o Copom mantiver a Selic nos atuais 10,5% ao ano, a metralhadora giratória presidencial provavelmente voltará a disparar, e por isso é preciso desde já mostrar o tamanho dos equívocos de Lula.
A definição da Selic é atribuição do Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do BC formado pelo presidente e diretores da instituição, os quais passaram a ter mandato fixo de quatro anos não coincidentes com o mandato do presidente da República, podendo ser reconduzidos uma vez se indicados pelo ocupante do Palácio do Planalto. Essa configuração foi aprovada junto com a autonomia do BC, definida pela Lei Complementar 179/2021. A atual composição do BC será alterada no fim de 2024, quando vencem os mandatos de seu presidente, o economista Roberto Campos Neto, e de mais dois diretores.
Se tivesse de provar suas teses quando critica o Banco Central, Lula seria reprovado num teste elementar de teoria econômica
Com a manutenção da Selic em 10,5% ao ano na reunião de junho, Lula abriu uma caixa de Pandora de argumentos demagógicos, grosseiros e sem base técnica. O presidente não teve a honestidade de lembrar que a decisão foi tomada por unanimidade dos votos de todos os membros do Copom, quatro dos quais indicados pelo próprio Lula. As críticas ácidas endereçadas a Campos Neto são feitas porque a autonomia do BC lhe garante mandato até o fim de 2024 e Lula quer deixar claro que não o indicará para um novo mandato, uma possibilidade que existe na legislação. Ademais, as críticas feitas pelo presidente fazem parte da tentativa petista de criar uma narrativa que atribui unicamente ao presidente do BC a manutenção da Selic, e que culpa a taxa atual de 10,5% pelo fraco desempenho econômico.
A fala de Lula começa com o erro de crer que basta reduzir a taxa de juros para a economia crescer, quando o problema é bem mais complexo e depende de outras variáveis, coisa que qualquer estudante de Economia aprende nas lições de política monetária. Se tivesse de provar sua tese, Lula seria reprovado num teste elementar de teoria econômica, pois é sabido que o crescimento econômico depende de elevação dos investimentos em infraestrutura, implantação de novas empresas, expansão do parque produtivo e aumento dos negócios; e tais eventos somente ocorrem em países que apresentem segurança jurídica, ambiente institucional estável e favorável aos negócios, controle dos gastos públicos, equilíbrio fiscal, estabilidade da moeda, regras claras e estáveis sobre investimentos e tributação, Justiça eficaz e instituições sólidas em defesa da propriedade privada e do livre comércio.
As críticas recorrentes de Lula ao presidente do BC, além de ignorar que as decisões do Copom são tomadas pelos votos de todos seus membros – e que a última delas teve também os votos dos quatro diretores lá colocados pelo governo petista –, são estratégia para desviar a atenção dos erros e fracassos do governo em adotar políticas públicas positivas, cuidar do equilíbrio das contas públicas e outras medidas para melhorar o ambiente institucional e jurídico favorável ao crescimento da economia. Portanto, o raciocínio de que uma taxa Selic menor conduz automaticamente a um maior crescimento econômico é primário e errado, um raciocínio que não tem como se sustentar.
Embora aumentos na taxa Selic provoquem elevação nos gastos do governo com pagamento de juros sobre a parte da dívida indexada pela Selic, não se pode derivar daí que apenas a redução da Selic lance o país em um ciclo de crescimento econômico. O problema mais grave é o fato de o governo ser cronicamente deficitário, ter alto endividamento e se financiar tomando cada vez mais empréstimos para cobrir seus déficits, reduzindo assim os fundos de crédito disponíveis ao setor privado. Além disso, o quadro só piora quando o déficit do governo não resulta do aumento dos gastos com investimentos públicos, mas sim com elevação das despesas de salários e custeio derivados de inchaço da máquina pública e do quadro de burocratas, como é exatamente o que vem ocorrendo no atual governo do PT.
Nunca é demais insistir que o déficit público brasileiro contém o vício de deslocar parcelas expressivas da arrecadação tributária para pagar os encargos da dívida, reduzindo assim o orçamento líquido para investimentos e serviços públicos, e que expressiva parcela desse déficit não decorre de aumento na taxa de investimentos feitos pelo governo como porcentual do PIB. Destaque-se que nem todo gasto de custeio seja necessariamente ruim – por exemplo, gastos feitos para comprar livros escolares e melhorar a educação infantil, embora sejam despesa corrente, deixam saldo educacional positivo, capaz de contribuir com a melhoria da eficiência econômica da nação no longo prazo, desde que não haja desperdícios.
Por último, outro equívoco vem da insinuação embutida nos discursos governamentais afirmando que a elevação da taxa Selic destina-se a beneficiar os banqueiros, como se os bancos existissem para emprestar ao governo o dinheiro dos banqueiros, quando na prática os bancos compram títulos públicos com os recursos oriundos de aplicações financeiras feitas por pessoas físicas e pessoas jurídicas. Embora essa seja mais uma lição elementar de economia, o chefe da nação não demonstra o menor constrangimento em divulgar informações e teses incompletas, erradas e deseducativas.