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Editorial

Os vários erros da política econômica de Lula entre 2003 e 2010

O então presidente Lula e o então ministro da Fazenda Antônio Palocci, em foto de 2005. (Foto: Ana Nascimento/Arquivo EFE)

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A política econômica do primeiro governo Lula (2003-2006, cujo executor até 2005 foi o ministro da Fazenda Antônio Palocci) recebeu elogios de analistas nacionais e estrangeiros, mas o passar do tempo mostrou que os elogios não eram de todo bem fundamentados. Tendo sido derrotado em três eleições anteriores para presidente da República – uma para Fernando Collor e duas para Fernando Henrique Cardoso – e correndo o risco de perder sua quarta eleição, o candidato Lula escreveu a “Carta ao Povo Brasileiro”, em junho de 2002, com dois objetivos: acalmar a sociedade e os mercados e, apesar das críticas duras ao governo de FHC, comprometer-se com as bases da política econômica do governo anterior.

Destacam-se, naquela carta, algumas frases que convém lembrar. “O PT e seus parceiros têm plena consciência de que a superação do atual modelo (...) não se fará num passe de mágica, de um dia para ao outro. Não há milagres na vida de um povo e de um país”. Lula disse isso para afastar o fantasma que havia no ar sobre ruptura institucional rumo a uma espécie de socialismo tupiniquim. Para garantir que os boatos sobre o desrespeito a contratos e calotes em dívidas públicas eram infundados, a carta afirmava que “a premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país”.

Enquanto manteve as políticas herdadas de FHC, Lula colheu bons resultados na economia; quando começou a implantar as próprias ideias e práticas, lançou as sementes para o desastre

Pairava no ar também o receio de que, se ganhasse a eleição, Lula poderia bagunçar as finanças públicas e jogar o país de volta ao império da hiperinflação, sobre o que o candidato declarou na carta: “Ninguém precisa me ensinar a importância do controle da inflação. Iniciei minha vida sindical indignado com o processo de corrosão do poder de comprar dos salários dos trabalhadores. Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à inflação”.

O governo FHC tinha sua política econômica baseada num tripé: superávit fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante. Vendo que a população apoiava aquela política, o candidato Lula registrou na carta: “A questão de fundo é que, para nós, o equilíbrio fiscal não é um fim, mas um meio. Queremos equilíbrio fiscal para crescer e não apenas para prestar contas aos nossos credores. Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos”. Em resumo, o candidato Lula de 2002 assumiu por escrito compromissos com a ortodoxia econômica por entender que a sociedade era majoritariamente a favor do conservadorismo na gestão macroeconômica.

A carta acalmou os mercados; o preço do dólar, que havia explodido, voltou a valores aceitáveis; e Lula ganhou a eleição. Seu primeiro governo foi relativamente bem no respeito, se não a todos os compromissos, pelo menos à responsabilidade fiscal e inflacionária. Vale lembrar que os oito anos de Lula foram abençoados com boa situação internacional, com aumento da demanda global que favoreceu as exportações brasileiras e aumento constante dos preços das commodities que o Brasil vendia ao exterior. A situação internacional durou todo o período Lula e foi favorável ao Brasil como nunca houvera sido.

Porém, ainda antes do fim do primeiro mandato, Lula e o PT revelaram a face sombria de seu governo em termos de abandono do equilíbrio fiscal e principalmente na derrocada ética. A face corrupta do governo se manifestou com a explosão do escândalo do mensalão. Apesar da tragédia moral e financeira, Lula passou o tempo todo dizendo que não sabia de nada, que fora traído por seus ministros e aliados políticos, e foi nessa toada que ele conseguiu se reeleger. O segundo mandato mostrou a face real de Lula; o período 2007-2010 terminou com uma sequência de medidas erradas e fracassadas, cujos efeitos foram jogados para sua sucessora, Dilma Rousseff.

No campo econômico, Lula ressuscitou a prática nefasta de misturar as contas fiscais com as contas de empresas estatais, como o BNDES e a Petrobras. Esse tipo de confusão é prejudicial ao país por misturar coisas diferentes e abrir espaço para políticas nocivas à economia nacional. As contas fiscais englobam a arrecadação de tributos, de um lado, e os gastos com pessoal, custeio, investimentos estatais e serviço da dívida, de outro lado. As empresas estatais têm vida própria, patrimônio e receitas das suas atividades produtivas; por isso, não devem ter suas finanças misturadas com o Tesouro Nacional. O governo já havia embolado as contas fiscais com a capitalização do BNDES, criando artifícios contábeis que obscureciam a real situação do Tesouro Nacional.

Ainda antes do fim do primeiro mandato, Lula e o PT revelaram a face sombria de seu governo em termos de abandono do equilíbrio fiscal e principalmente na derrocada ética

Não bastassem o mensalão e as manipulações contábeis das contas públicas e das estatais, o governo Lula terminou seu segundo mandato deixando um rombo financeiro derivado de autorização para elevar gastos públicos que se tornaram permanentes, como aumentos salariais do funcionalismo, inchaço da máquina e expansão da burocracia estatal. Quando Dilma assumiu, ela sofreu um desgaste rápido por suas promessas eleitorais e pela herança deixada por seu padrinho Lula sobre as contas públicas – herança essa que ela, em vez de combater, intensificou, já que foi em seu governo que a “nova matriz econômica” ganhou força total. Curiosamente, Dilma foi deposta pelo Congresso Nacional devido às chamadas “pedaladas fiscais”, um tipo de malfeito que ela aprendeu com seu padrinho e antecessor.

Vale recordar que Lula, em seu último ano, já com o enigmático Guido Mantega no Ministério da Fazenda, vinha fazendo malabarismos condenáveis com os números e os procedimentos contábeis sobre o superávit primário, e as notícias da época eram de que o governo vinha adulterando o conceito de superávit primário desde o começo do mandato. Exemplo divulgado sobre essa prática foi que, em 2005, o governo havia excluído da conta de gastos alguns investimentos do Projeto Piloto de Investimentos (PPI); repetiu a dose em 2008, novamente tirando alguns investimentos e gastos do cálculo do superávit; e, em 2009, usou o artifício pelo qual o Tesouro Nacional emprestava dinheiro ao BNDES para que o banco adquirisse créditos a receber do Tesouro e lançasse o valor como receita primária desse mesmo Tesouro. Essas jogadas se tornaram rotineiras, como a exclusão, para fins do cálculo do superávit, de R$ 32 bilhões gastos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e a capitalização em R$ 31,9 bilhões da Petrobras em uma manobra para aumentar o superávit.

Ainda pairam muitas dúvidas sobre o que Lula vai fazer, neste terceiro mandato, em termos de política econômica, equilíbrio fiscal, inflação, transparência contábil e ética com o dinheiro público. O histórico aqui relatado sobre os erros de suas gestões anteriores tem a função de mostrar o currículo administrativo do presidente eleito e deve servir para a sociedade ficar vigilante e exigir que o próximo quadriênio não seja apenas uma repetição das práticas nefastas que marcaram sua gestão anterior na presidência da República.

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