“Se cometemos erros – e isso é possível – vamos superá-los”. A frase do texto que a presidente Dilma Rousseff leu no dia 7 de setembro, à guisa de comemorar a data nacional da Independência, ganha outra luz depois que o Brasil perdeu o grau de investimento pela agência Standard & Poor’s.
Naquela segunda-feira, o medo da repetição de panelaços país afora fez com que o pronunciamento presidencial, ao contrário da tradição, não fosse transmitido em rede de rádio e televisão, mas apenas divulgado através das redes sociais. Bem compreensível – e compreensível seria o panelaço não só pela frase que destacamos, como também por quase todo o restante da fala de oito minutos. Mas comecemos pela frase: talvez tenha sido a primeira vez que Dilma tenha admitido erros – mesmo assim, com aquele “se” fatal que coloca os desacertos de sua gestão na categoria de mera hipótese. Isto é, ela admite, mas ao mesmo tempo não admite. Manteve, portanto, a mesma postura de arrogância que a levava a cantar maravilhas na campanha eleitoral como se o Brasil já não estivesse próximo do precipício.
Para as agências, não houve o “se” do pronunciamento de Dilma: há a certeza de que o governo cometeu, sim, erros, e muitos
Ainda que se lhe dê o benefício de acreditarmos que ela se fez humilde no pronunciamento à nação, note-se que os “erros” que ela ameaça reconhecer foram decorrentes da vontade do governo (e aí se inclui a gestão de seu antecessor e padrinho Lula) de fazer o povo sofrer o quanto menos durante os anos críticos vividos pelo mundo a partir das traquitanas financeiro-imobiliárias dos Estados Unidos de 2008 em diante – em outras palavras, Dilma quis dizer “se erramos, foi só querendo o melhor para vocês”. O desequilíbrio atual efetivamente começou naquela época, quando o governo gastou (ou deixou de arrecadar), alega, para que a indústria, o comércio, os empregos e os programas sociais não fossem abalados. A aposta, já alertavam os analistas mais ortodoxos, estava errada, mas o entusiasmo pela imaginosa “solução” brasileira varreu o mundo e fez do então presidente Lula personagem internacionalmente badalado. Durante algum tempo, o país navegou acima das ondas do pessimismo. Dilma seguiu a mesma lição do mestre nos quatro anos seguintes até que – ainda que insistentemente negasse – os icebergs começaram a rasgar o casco da nau da nossa economia: inflação desenfreada, desemprego e juros crescentes.
Para evitar o naufrágio iminente, Joaquim Levy, novo ministro da Fazenda, foi feito capitão encarregado de girar a bombordo e iniciar o caminho de volta, implantando medidas que, na campanha, Dilma tinha jurado evitar, escancarando o estelionato eleitoral de que o país foi vítima; e implementando um ajuste fiscal cujo conteúdo, no fim, deixou claro quem estava no leme: não o ministro liberal, mas os estatizantes, como Nelson Barbosa e Aloizio Mercadante, sem falar na própria Dilma.
Pela primeira vez em décadas, o governo apresenta um orçamento em que já prevê, para 2016, déficit primário da ordem de R$ 30 bilhões, montante considerado até modesto diante da pertinácia com que a máquina pública insiste em gastos supérfluos e não dá sinais críveis de tornar realidade o chavão clássico de “cortar na própria carne”. O Produto Interno Bruto (PIB) será certamente negativo em 2015. A recuperação da economia, a volta aos tempos de bonança, ainda está longe de um horizonte visível.
Não por outras razões é que as agências de risco vêm mostrando ao mundo que o Brasil deixou de ser um lugar seguro para investimentos. A Standard & Poor’s foi a mais rigorosa na avaliação – mas só até o momento. Para as agências, não houve o “se” do pronunciamento de Dilma: há a certeza de que o governo cometeu, sim, erros, e muitos. Por tudo isso, a fala de Dilma no dia da Independência mais pareceu uma peça digna dos melhores autores de realismo fantástico. Manteve o raciocínio de que o Brasil é vítima da crise internacional – citando como exemplos desta crise situações como as que afetam países da África e do Oriente Médio, vítimas da pobreza extrema e de cruéis conflitos bélicos internos que vêm produzindo migrações gigantescas de populações em direção ao mundo desenvolvido. E nisto não faltou à presidente nem mesmo a citação do caso do menino sírio que, em fuga com os pais, morreu afogado numa praia grega.
Nossa tragédia é outra. É fruto dos erros que, admita Dilma ou não, foram cometidos pelo próprio governo.