A série de reportagens Crime sem Castigo, que a Gazeta do Povo começou a publicar no último domingo, continua até o dia 11, mas já permite várias conclusões a respeito da situação de calamidade que atinge a investigação dos homicídios em Curitiba. Uma delas diz respeito ao limitadíssimo número de policiais civis que trabalham nos casos de assassinato na capital paranaense.

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Dos mil inquéritos analisados pela equipe de repórteres da Gazeta, referentes a mortes ocorridas entre 2010 e 2013, saltam alguns números que, à primeira vista, indicariam puro descaso ou incompetência: em 30% dos casos, por exemplo, a primeira testemunha só foi ouvida um mês depois do crime e em 2% deles, o primeiro depoimento só foi tomado dois anos depois da ocorrência. De cada 11 homicídios, um fica sem depoimento nenhum, o que em boa parte dos casos pode ser atribuído à "lei do silêncio" que impera em diversos bairros e leva testemunhas a não colaborar com a polícia por medo de se tornarem vítimas também. E, ontem, revelamos que apenas 19% das investigações contam com provas técnicas que vão além da necropsia (ausente em 11% dos inquéritos) e o exame do local do crime (que não aparece em 54% dos inquéritos).

De fato, há casos em que a investigação é falha, perdendo tempo valioso, e a edição de domingo mostrou algumas situações que revelam falta de iniciativa da polícia; além disso, também mostramos que certos crimes ganham mais atenção, pela repercussão na imprensa ou pelo status da vítima, que outros. Mas, na segunda-feira, a Gazeta também revelou que há um fator estrutural por trás da impunidade: a estrutura precária que torna "humanamente impossível", nas palavras de uma escrivã, a investigação atenta de todos os casos ocorridos em Curitiba. A Delegacia de Homicídios tem cinco delegados, contando o titular. Considerando que houve 597 assassinatos na capital em 2012, cada delegado ganhou 120 novos casos só no ano passado – média de um a cada três dias. Contribuem para a dificuldade de resolução dos crimes o fato de esses mesmos delegados assumirem casos em vários pontos da cidade e a rotatividade dentro da Polícia Civil, que frequentemente faz um mesmo inquérito passar pelas mãos de vários delegados.

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O novo delegado-geral da Polícia Civil, Riad Farhat, não nega a necessidade de mais investigadores e delegados, mas ressalta que não adianta melhorar a estrutura da Delegacia de Homicídios se outros setores ficarem desassistidos, como a Narcóticos (e sabemos que o tráfico de drogas tem ligação com diversos assassinatos ocorridos em Curitiba). O raciocínio do delegado faz sentido, mas até certo ponto. Desde Cesare Beccaria, no século 18, sabe-se que o principal elemento que inibe o criminoso é a certeza de ser pego e punido. O índice de 23% de resolução nos crimes de homicídio em Curitiba é, assim, um convite ao assassino, especialmente àquele que já matou e nunca foi capturado, ou àquele que presencia a impunidade à sua volta. É um cálculo frio: vale a pena matar, sabendo que há apenas uma chance em quatro de o autor ser descoberto? Compare-se com o Reino Unido, onde o homicida tem apenas uma chance em dez de escapar impune, já que a taxa de resolução é de 90%. Assim, a melhor maneira de inibir novos assassinatos é justamente elevando o índice de crimes solucionados, o que passa necessariamente pelo reforço urgente na estrutura que investiga esse tipo de crime.

A precariedade na estrutura de investigação é evidente e é algo que somente o poder público pode resolver – seja com um remanejamento na forma de organização da corporação que envolva mais colaboração entre as delegacias locais e a Delegacia de Homicídios, seja com a admissão de novos policiais civis. Nem todos os aprovados no concurso realizado em 2010 para a Polícia Civil, por exemplo, foram convocados até agora. E é preocupante que a necessidade de reforço fique escancarada justamente quando o governo estadual passa por dificuldades orçamentárias – parte delas causada por fatores alheios ao Palácio Iguaçu, é verdade – e o estado atinge o limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que impede novos gastos com o funcionalismo. Que o poder público estadual saiba encontrar os meios para reequilibrar suas contas e garantir mais segurança ao cidadão paranaense.