O confronto entre professores em greve e o governo do estado, em 29 de abril, não foi o limite, como se podia jurar. A relação ficou ainda mais delicada nesses fins de outubro, com a desastrada informação de que escolas públicas estaduais seriam fechadas em 2016. O número diminuiu à medida que o termômetro subiu. De 150 para 71, chegando à casa dos 30-40 e, por fim, ao anunciado cancelamento dos estudos nesse sentido. Nada que arrefecesse a febre que gerou: o fechamento de uma ou de 100 escolas tem um efeito nefasto sobre a sociedade.
O sistema de comunicação pública do governo falhou ao não preparar a sociedade para o impacto de uma medida que recai feito um meteoro sobre o imaginário. Uma escola não é só um lugar em que o aluguel do prédio é caro – argumento para parte dos possíveis encerramentos –, nem apenas um espaço onde estudam poucos alunos (outro argumento utilizado para baixar as portas). Uma escola é o lugar em que crianças, adolescentes e jovens passaram um período singular de suas vidas. Ali fizeram amigos, travaram conhecimentos e tiveram professores que definiram o que seriam no futuro. Ao fechá-las, fecham-se janelas para a memória. E temos hoje 2,1 mil janelas que não são meros endereços – são lugares, e valem uma vida. Daí a grita com o estudo do governo. O espantoso foi a incapacidade de prever que isso iria acontecer. Pior: assusta supor que a tecnocracia da administração pública tenha chegado ao ponto de desconsiderar o sentimento da população com seus espaços afetivos.
O fechamento de uma escola não chega a ser um crime hediondo. Fora do Brasil, é moeda corrente
O fechamento de uma escola não chega a ser um crime hediondo. Muitas instituições de ensino foram fechadas ou fundidas ao longo do século, como decorrência natural das mudanças urbanas. Basta perguntar onde está o Grupo Escolar Cruz Machado, entre tantos. Se antes colégios pequenos eram fechados para dar lugar a maiores, com centenas de carteiras – posto que a população aumentava –, a natalidade baixa tende a gerar efeito contrário. É comum encontrar diretores de escolas municipais, em particular, que apontam redução de 20% do seu total de alunos.
Pode-se dizer mais: fora do Brasil, país que sempre se viu jovem e populoso – logo, lugar de muitas escolas –, o encerramento é moeda corrente. Não é um Deus-nos-acuda. Acompanhou-se pelo noticiário o debate recente sobre a cidade alemã que assistiu, pasma, ao fim de sua última escola. Mas há uma diferença fundamental em relação ao que houve aqui: em nenhum lugar minimamente civilizado esse assunto foi tratado sem que antes se preparasse o terreno, considerando seu impacto e dimensão.
Talvez não exista melhor exemplo do que os Estados Unidos: o chamado “modelo Bloomberg” fechou escolas “viciadas” – aquelas que também temos aqui, onde diretores perpetuam erros de gestão, geração após geração – e as reabriu. Voltaram com outro nome, em outros prédios, sob nova direção. Outra diferença flagrante: não há sinal de que a Secretaria de Estado da Educação tenha um projeto pedagógico que justifique os fechamentos: o que se viu foi um discurso sobre redução de custos e justificativas numéricas, como se não fosse melhor ter 20 alunos numa sala em vez de 40.
O embate desses dias vinha se desenhando faz pelo menos dois anos. Os Centros de Educação de Jovens e Adultos (Ceebjas) encolheram quase que na surdina, colocando na fila do fracasso um modelo que deveria ser a joia da coroa. Com menos oferta perto de suas casas, os estudantes adultos não vão a um centro mais longe: eles apenas abandonam. Resta entender como pode um país que tem fracasso escolar na casa dos 75% dos que ingressam nos primeiros anos se dar ao luxo de desprezar os que querem e precisam voltar aos bancos escolares. O mesmo se diga das escolas rurais, cotadíssimas na lista de reduções.
Não é muito diferente em se tratando de escolas tradicionais que têm poucos alunos nos turnos da tarde e da noite. Muitas vezes, aqueles 15 a 20 estudantes do noturno só têm a escola por eles. Perdê-los em nome de um discurso de sustentabilidade é gravíssimo. Perguntas em torno desse cipoal não faltam. Não parece tão difícil tornar frequentados colégios como o Dom Pedro II, o Rio Branco, o Xavier da Silva ou o Tiradentes – para citar alguns que têm a seu favor a tradição. Tampouco faz algum sentido encerrar nomes como o Dom Orione e o Pio Lanteri. Um bom estudo de antropologia educacional mostraria o quanto a Vila São Paulo, no Uberaba, para citar um caso, deve ao Pio Lanteri. Quem se ocupa e se preocupa com a escola quer falar sobre isso. O que têm a dizer há de surpreender.
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