A barbárie que se seguiu à disputa entre Coritiba e Fluminense, no Couto Pereira, no domingo, não é situação atípica ou circunscrita à capital paranaense. É uma realidade que, vista em todos os estádios do país, mostra a distorção do verdadeiro sentido do esporte e explica o afastamento das famílias dos estádios.
A selvageria nos convida a refletir sobre os caminhos possíveis para que a sociedade toda não tenha de pagar o preço pelos excessos daqueles que perderam a noção de desportividade. E, nesse olhar sobre a violência que inunda e ronda os estádios, impossível não lembrar da Inglaterra, onde uma profunda revolução da gestão do futebol foi capaz de transformar um cenário trágico, que chegou ao auge em abril de 1989, com a morte de 96 torcedores do Liverpool em um estádio de Hillsborough. O artífice da boa revolução foi o juiz Peter Taylor, responsável pelo inquérito da tragédia de Hillsborough. Na batalha para preservar a segurança e o direito ao espetáculo do verdadeiro torcedor, Taylor elaborou um relatório baseado na corresponsabilização de todos os agentes envolvidos.
O relatório Taylor tratou a situação dos estádios, então dominados pela fúria dos hooligans, como questão de segurança pública. E, sob sua ótica, disseminou-se a ideia de que para conter os invasores as regras eram essenciais, assim como uma atuação mais forte da segurança e até a colaboração da imprensa. Nasceu assim, da necessidade de evitar aglomerações e ainda de localizar e controlar o comportamento de torcedores com registros anteriores de violência, a exigência das cadeiras.
No Brasil, tal qual na Inglaterra pré-Taylor, os torcedores surgem como os grandes culpados em barbáries como a deste fim de semana. No entanto, não há como dissociar a responsabilidade das torcidas organizadas e do clube. A torcida é um importante ponto de apoio para o clube, seja no aspecto financeiro, seja no incentivo à equipe. A vantagem de ter uma torcida exige do clube uma contrapartida. Tanto o Estatuto do Torcedor quanto o Código Brasileiro de Justiça Desportiva dão às agremiações o papel de prevenir e reprimir a desordem em sua praça de desportos. Os clubes podem fazer mais, como manter com mais cuidado os cadastros com o nome dos integrantes e dos líderes das torcidas organizadas, ferramenta importante na identificação dos infratores.
O Relatório Taylor, que tanto bem fez ao futebol inglês e cujas ideias centrais têm sido aproveitadas em diversos outros países, assenta-se também em outros pilares que podem dar pistas para o avanço da segurana nos estádios brasileiros: tecnologia, informação e punição.
Em matéria de tecnologia, ainda engatinhamos. Os registros de imagem, ferramenta poderosa usada com muita ênfase na Copa do Mundo da Alemanha, em 2006, podem ganhar muito em qualidade se houver um pouco mais de investimentos nos estádios. O mesmo se pode dizer da identificação digital ou pela íris.
A informação também não é bem aproveitada. Basta lembrar que não se viu efeito prático do aviso enviado às autoridades de segurança pelos dirigentes do Coritiba de que a torcida se tornaria irascível se a equipe não conseguisse um resultado capaz de garantir sua permanência na Série A do Campeonato Brasileiro em 2010. Avisar não basta. Neste ponto, a necessidade de informação se encontra com a tecnologia. Com a identificação precisa dos torcedores organizados, o clube pode fornecer às autoridades bem mais que um alerta. As autoridades, por sua vez, ganham recursos para dar uma resposta proporcional à ameaça.
Tecnologia e informação são meios de prevenir a violência, mas eles não fazem sentido se nos casos concretos não houver a justa punição, tanto individual, nos âmbitos civil e penal, quanto coletiva, com penas que afetem o clube e que o levem ao desejável comprometimento com a segurança. Hoje a multa prevista no Código Brasileiro de Justiça Desportiva para clubes que deixarem de tomar providências capazes de prevenir e reprimir desordem em sua praça desportiva varia de R$ 10 mil a R$ 200 mil, valor que é inferior ao da bilheteria de um único jogo. Sabemos bem que raros são os dirigentes que se darão ao trabalho de controlar e educar sua torcida organizada com uma pena tão leve. Um pouco mais eficiente é a perda do mando de um até dez jogos.
Há quem considere a perda de mando por dez jogos uma pena leve, uma consideração que faz todo o sentido quando se lembra que a selvageria de domingo incluiu tentativas de homicídio. Fala-se em perda de mando por um número maior de jogos, em elevação da distância dos estádios para onde o mando for transferido, em perda de pontos e até na polêmica medida de jogos com portões fechados, retirada de cena por não estar prevista pela Fifa.
O certo é que não se pode aceitar a intensidade e a extensão da violência que transborda dos estádios para as ruas sem uma política que envolva medidas simples e sensatas como as do Relatório Taylor.
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