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Poucos indicadores são tão demonstrativos a respeito da ineficiência estatal contemporânea quanto os números do fornecimento de água e saneamento básico. Ainda existem 35 milhões de brasileiros sem acesso a água tratada, e quase 100 milhões sem coleta de esgoto – daquilo que é coletado, apenas metade passa por tratamento. Esta é a realidade de rincões no interior do país, mas também de bolsões de miséria nas grandes metrópoles; uma vergonha nacional que não tem cor ideológica, pois existe em locais governados pela direita, pela esquerda e pelo centro. Combater esta mazela brasileira é dever básico, civilizatório, de qualquer governante, pois a falta de algo tão básico condena a população a doenças facilmente evitáveis e promove a degradação ambiental.
O novo Marco Legal do Saneamento, aprovado em 2020 e que alterava legislação anterior, de 2007, definitivamente merece o nome que tem, pois sua aplicação tinha tudo para representar um salto na oferta de serviços tão essenciais. A meta tão ambiciosa quanto necessária de levar o fornecimento de água potável a 99% da população e a coleta de esgoto a 90% dos brasileiros até 2033 jamais seria atingida em um cenário de estatais com pouco investimento e sem parâmetros de qualidade a atingir, beneficiadas por contratos assinados sem licitação e renovados automaticamente, e por isso o novo Marco Legal privilegiou o papel da iniciativa privada e delegou à Agência Nacional das Águas (ANA) o papel de regulador no setor. As estatais não ficariam excluídas, mas, se quisessem seguir atuando, precisariam demonstrar capacidade de realizar os investimentos necessário e competir em licitações. O setor privado respondeu ao chamado, como havia feito também no caso das ferrovias: os investimentos em água e saneamento subiram 15% em 2022. Pouco mais de 20 leilões realizados entre a sanção da lei e o fim do ano passado garantiram cerca de R$ 85 bilhões em investimentos futuros.
Os brasileiros sem água tratada e esgoto coletado que esperem e sofram, pois para Lula, Costa e Boulos eles são menos importantes que as “oportunidades” trazidas pela manutenção do poder das estatais
Mas a esquerda não quer saber de nada disso e trabalha para bombardear o novo Marco do Saneamento. Logo no início do governo Lula, a medida provisória que reorganiza o governo federal e um decreto específico sobre o Ministério das Cidades já tiraram da ANA atribuições de regulação do setor de saneamento – muito em linha, aliás, com a intenção lulista de enfraquecer todas as agências reguladoras, modelo a que a esquerda sempre se opôs. Além disso, o “revogaço” de Lula colocou de volta no jogo as estatais incapazes de demonstrar capacidade econômico-financeira de executar o serviço e realizar investimentos, premiando a ineficiência. A destruição do Marco do Saneamento, entretanto, não termina aí.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, já manifestou a intenção de seguir adiante com os planos do deputado federal de extrema-esquerda Guilherme Boulos (PSol-SP), um devoto do estatismo e do atraso a quem Lula deu protagonismo durante a transição para tratar de assuntos relativos ao saneamento básico. Para Boulos, não há problema algum em contratos assinados sem licitação; problema mesmo é a participação da iniciativa privada e o papel regulador da ANA. Em outras palavras, o objetivo é desfigurar a nova legislação no que for possível – de preferência, via decreto, que não exige negociação no Congresso Nacional – para devolver o Brasil à situação anterior a 2020.
Em demonstração descomunal de cinismo, o governo afirma que as mudanças têm o objetivo de “destravar investimentos”. Mas retornar ao status anterior não destravará nada, pelo contrário: garantirá que os investimentos simplesmente cessarão, já que o serviço poderá continuar sendo prestado por estatais ineficientes, sem metas a cumprir, sem necessidade nem mesmo de demonstrar sua capacidade em um processo licitatório. Os brasileiros sem água tratada e esgoto coletado que esperem e sofram, pois para Lula, Costa e Boulos eles são menos importantes que as “oportunidades” trazidas pela manutenção do poder das estatais. Pretender que os pobres sigam tomando água contaminada e convivendo com esgoto a céu aberto, negando-lhes a possibilidade de usufruir de um serviço bem prestado, é uma verdadeira atrocidade que o governo Lula quer levar adiante como se estivesse lhes fazendo um favor; um sociopata não faria melhor.