Mesmo batendo recordes de arrecadação, o governo federal tem desperdiçado as oportunidades de colocar as contas em ordem
A economia brasileira já teve dias melhores. Há, entre os agentes econômicos, a percepção de que estamos às portas de um período de desaceleração o que é, por sinal, consequência natural da elevação de juros, que tem efeito no combate à inflação justamente por reduzir o dinamismo econômico. Já o governo tem arrecadado impostos como nunca antes na história deste país (para usar uma expressão tão cara ao grupo político que administra a nação há quase 11 anos): em agosto, a receita de impostos e contribuições atingiu R$ 83,9 bilhões, um valor inédito.
Não deixa de ser peculiar que o governo tenha obtido um crescimento real (ou seja, além da inflação do período) de 2,68% na arrecadação em relação ao mesmo mês do ano passado. Na iniciativa privada, empresários em geral têm se esforçado em não repassar seus aumentos de custos para o preço final porque sabem que correm o risco de perder clientes. Em consequência, poucos são aqueles que conseguem crescimento real em sua receita bruta. À exceção de algumas áreas específicas, empresas comerciais, industriais e de serviços estão elevando seus preços em patamares inferiores à escalada de seus custos de produção e, com frequência, abaixo da inflação.
Segundo a Receita Federal do Brasil, a elevação é consequência do aumento na produção industrial e na venda de produtos e serviços, ambos dados registrados em julho, com efeitos fiscais na arrecadação de agosto. A questão que se coloca é o que o governo fará com essa arrecadação, uma vez que, a julgar pelos prognósticos de observadores do mercado, um tempo de vacas magras se avizinha.
O Brasil teve excelentes oportunidades nos últimos dez ou 12 anos para promover melhorias na estrutura do Estado para torná-lo mais eficiente e para prestar serviços melhores à população, por exemplo. Pouco foi feito nesse sentido. Os gastos do governo continuam em alta e nenhuma reforma foi feita para eliminar impostos em cascata e reduzir alíquotas, pleitos eternos das lideranças empresariais e dos consumidores.
Mesmo do ponto de vista da logística, outro funil que estreita o desenvolvimento econômico do país, os avanços são parcos. Os números sobre investimentos nessa área invariavelmente contam como certos valores que podem ou não se realizar e que, de quebra, dependem de uma viabilidade econômica que nem sempre está no horizonte.
Ninguém conserta o telhado da casa em meio a uma tempestade. Todos os reparos na casa precisam ser feitos com bom tempo, de forma a aproveitar as condições propícias em favor daqueles que nela habitam. Essa é a lição que o Brasil tem ignorado: só se fala em reformas, e mesmo assim em tom populista, quando estamos diante de emergências econômicas ou pressão social. Foi assim quando eclodiram os protestos de junho, foi assim durante a crise de 2009.
Nesse ambiente, não é de se estranhar a interpretação que a revista britânica The Economist deu aos tropeços da economia nacional em tempos recentes. "O Brasil estragou tudo?" foi a pergunta na capa da edição latino-americana da publicação, na semana passada. Mas estragou o quê? O bom momento, a chance de plantar-se no clube das nações relevantes no cenário econômico e político global.
Ainda dá tempo. É hora de consertar o telhado do Estado brasileiro, antes que as goteiras voltem a perturbar o nosso crescimento.