O Tesouro Nacional começou a enviar missões a alguns estados, e se prepara para visitar outros tantos em breve. Em comum, todas as unidades da Federação visitadas estão com as finanças em frangalhos e buscam entrar no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o mecanismo criado pelo governo federal em 2017 para auxiliar os estados a recuperar sua capacidade financeira, desde que realizem um forte ajuste fiscal.
Desde 2016, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul já assinaram decretos de calamidade econômica. Só no início deste ano, Roraima, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Goiás já fizeram o mesmo. Neste último caso, o decreto foi assinado nesta segunda-feira pelo governador Ronaldo Caiado (DEM), após a missão do Tesouro concluir que o estado não se enquadrava em todos os requisitos necessários para a adesão ao RRF. A atual administração goiana acusa o governo anterior de realizar uma “pedalada fiscal” que teria jogado certas despesas para a frente e, assim, deixado os números do ano passado um pouco melhores que a triste realidade, “enganando” o Tesouro e fazendo o governo concluir que a situação goiana não era tão dramática a ponto de merecer o RRF. Em dezembro de 2018, o Tesouro já havia negado a Roraima a entrada no regime de recuperação.
Não há dinheiro em Brasília para socorrer os estados governados de forma irresponsável
Entende-se a cautela do governo federal em não ampliar o RRF a todo estado em dificuldades, pois a adesão ao regime permite ao estado contemplado deixar de pagar sua dívida com a União por seis anos – dinheiro que faz falta aos cofres de Brasília. Além disso, o Rio de Janeiro, único estado que conseguiu cumprir os requisitos que comprovam a situação extremamente inviável das finanças estaduais, não está entregando a contrapartida exigida. Os estados que aderem ao RRF são obrigados a fazer privatizações, restringir ao máximo a contratação de novos servidores, não conceder reajustes salariais aos funcionários já contratados, e limitar as despesas obrigatórias. Mas, no Rio, a privatização da companhia estadual de água e esgoto, a Cedae, está emperrada desde 2017, com direito a reviravolta na Assembleia Legislativa (que havia aprovado e depois rejeitado a venda) e disputa jurídica, em que o Tribunal de Justiça do estado manteve a privatização. O atual governador, Wilson Witzel (PSC), se recusa a vender a estatal. O mau exemplo do Rio de Janeiro é suficiente para que o Tesouro Nacional seja muito criterioso ao avaliar a entrada de novos estados no RRF.
O caso fluminense também demonstra um problema crônico que une governantes e servidores públicos. A categoria mais afetada pelo desarranjo fiscal, que passa meses sem receber salários, ainda assim se opõe a qualquer tipo de medida saneadora, fazendo greves por reajustes que os governos não têm a menor condição de pagar, vivendo guiados pela crença de que, mais cedo ou mais tarde, o dinheiro surgirá de alguma fonte mágica. Assim também parecem pensar governadores, secretários e deputados estaduais, acostumados que foram a sucessivas ajudas federais, levando ao “risco moral” apontado por um relatório do Tesouro Nacional publicado no fim do ano passado. Mas, agora, não há dinheiro em Brasília para socorrer os estados governados de forma irresponsável, que terão de aprender a lição da pior forma possível.
Quando, mesmo diante da crise evidente, os estados continuam aumentando seus gastos com pessoal – a ponto de 14 deles já terem estourado o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal –, resistem às privatizações e se recusam a aprovar reformas previdenciárias, perdem autoridade moral para exigir um afrouxamento nas regras do Regime de Recuperação Fiscal, como deseja Witzel, do Rio de Janeiro. Sem a ajuda federal à qual sempre estiveram acostumados, os governadores e seus aliados nos Legislativos estaduais terão de demonstrar autêntica disposição de ajustar suas contas durante a tormenta, já que não o fizeram quando os ventos eram bons.