Quando o relator da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, Samuel Moreira (PSDB-SP), entregar seu parecer nesta semana, terá feito uma decisão a respeito de um dos temas que mais têm causado atritos dentro do Congresso Nacional: a inclusão de estados e municípios na reforma, aplicando ao funcionalismo dos entes subnacionais as mesmas regras que valerão para os servidores públicos federais. O tema se tornou cavalo de batalha no Legislativo, com a resistência de parlamentares que fazem um cálculo eleitoreiro de curtíssimo prazo e que, no fim, poderia se voltar contra eles mesmos.
O histórico recente mostra que, mesmo diante de calamidades financeiras, vários estados brasileiros se recusaram a reformar o regime previdenciário de seus servidores, ou fizeram apenas mudanças paliativas, que não atacaram as razões estruturais para que também estados e municípios sejam deficitários quando o assunto é o pagamento de aposentadorias a seus servidores. Um estudo recente da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado, mostra em detalhes a deterioração das contas dos estados – a pesquisa não analisou a situação dos municípios –, e que guarda forte relação com a questão previdenciária.
Estamos diante de uma ocasião singular para que não apenas o governo federal, mas também os entes subnacionais tenham uma oportunidade de equilibrar suas contas
Não à toa, 25 dos 27 governadores assinaram uma carta conjunta pedindo ao Congresso que mantenha estados e municípios dentro da reforma, como era o plano inicial do governo federal. A importância dessa inclusão é tanta que os signatários incluem governadores de partidos que fazem oposição ao governo de Jair Bolsonaro – os únicos a não assinarem a carta são o baiano Rui Costa (PT) e o maranhense Flávio Dino (PCdoB), mas outros três governadores petistas endossaram o pedido, assim como um do PDT e dois do PSB. Este pleito levou Moreira a adiar a entrega de seu parecer, já que o Fórum dos Governadores se reúne em Brasília na terça-feira, quando os chefes dos Executivos estaduais pretendem entregar a carta conjunta.
O fato é que estamos diante de uma ocasião singular para que não apenas o governo federal, mas também os entes subnacionais tenham uma oportunidade de equilibrar suas contas. Não faz o menor sentido deixar estados e municípios de fora da reforma da Previdência quando se sabe que o desarranjo fiscal já levou estados importantes, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a situações dramáticas que envolveram o adiamento dos salários dos servidores e a deterioração na oferta de serviços essenciais. Um dado do relatório da IFI chama a atenção: os únicos estados que ainda se encontram em situação menos desconfortável são Tocantins, Amapá, Roraima e Rondônia. Não porque tenham feito alguma reforma, mas simplesmente por serem unidades da Federação mais novas, onde os inativos ainda não têm participação maior nos gastos dos governos. No longo prazo, sem mudanças na previdência de seus servidores, seu destino seria apenas repetir a sina dos estados mais antigos.
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Mesmo assim, há deputados e senadores reticentes quanto a essa inclusão, argumentando que não querem ter o ônus – eleitoral, entenda-se bem – de impor “prejuízos” ao funcionalismo público de seus estados e dos municípios que são sua base eleitoral. Um cálculo que desconsidera as próprias pretensões de muitos desses parlamentares, já que eles, um dia, tentarão ser prefeitos ou governadores. E aqui cabe a pergunta: é melhor aprovar desde já uma Previdência que inclua os funcionalismos estaduais e municipais, diluindo a responsabilidade entre centenas de parlamentares, ou assumir um município ou estado falido e, mais adiante, ter de conduzir um ajuste fiscal e previdenciário na condição de chefe do Executivo, concentrando toda a ira dos servidores?
A mobilização popular do último dia 26 de maio já deveria ter deixado claro que o verdadeiro “ônus eleitoral” virá para quem atrapalhar a reforma da Previdência, ou trabalhar por uma versão desidratada que não seja suficiente para começar a contornar o abismo fiscal que assombra não apenas a União, mas também os estados e municípios. Um dos grandes méritos da reforma apresentada pela equipe econômica de Bolsonaro é seu caráter igualitário. Deixar de fora servidores estaduais e municipais seria o mesmo que manter algumas castas privilegiadas enquanto todos os demais brasileiros, incluindo o funcionalismo federal, são chamados a algum grau de sacrifício para que tenhamos um país capaz de equilibrar suas contas.
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