Por mais que a União Soviética tenha deixado de existir há mais de 20 anos, restam aqui e ali alguns resquícios da Guerra Fria; pequenos (ou grandes) muros tão simbólicos para a política internacional quanto aquele, em Berlim, que caiu 25 anos atrás. Um desses muros começou a apresentar rachaduras na semana passada, quando Estados Unidos e Cuba deram um passo importante para a normalização de relações diplomáticas, em um acordo que também teve como importante personagem o papa Francisco cujos esforços nessa reaproximação foram reconhecidos tanto por Barack Obama quanto por Raúl Castro.
Ao contrário do que ocorre com os mais importantes governos da América do Sul, parceiros ideológicos e grandes admiradores da mais abjeta e assassina das ditaduras latino-americanas, a aproximação norte-americana tem uma motivação bem mais pragmática. Sanções seguem sendo uma maneira eficiente de levar à mudança regimes totalitários ou violadores de direitos humanos (pensemos, por exemplo, na África do Sul do Apartheid, ou em Myanmar, que lentamente retorna à democracia), mas no caso cubano faltava um consenso internacional que apoiasse o embargo norte-americano, incapaz, em cinco décadas, de abalar a ditadura castrista pelo contrário, vem servindo para que os Castro coloquem em agentes externos a culpa pela miséria produzida por suas próprias políticas socialistas.
Mas, se o acordo em si chama a atenção como uma das maiores surpresas da política internacional nos últimos anos, também é impressionante a assimetria nas concessões feitas por um lado e por outro. Em troca da retirada de Cuba da lista de nações que financiam o terrorismo (o que dá ao país mais chances de conseguir financiamentos externos), da ampliação na lista de produtos que podem ser exportados para a ilha caribenha, do aumento no valor máximo para a compra de mercadorias cubanas, o que os ditadores fizeram? Apenas libertaram dois norte-americanos acusados de espionagem e prometeram soltar outros 53 presos políticos. Imprensa independente? Liberdade de expressão? Eleições livres e pluripartidárias? Fim das perseguições políticas? Nada disso está no acordo. Não surpreende que os termos da negociação tenham recebido críticas dos republicanos, da comunidade cubano-americana e de dissidentes como a blogueira Yoani Sánchez. "O regime de Castro conseguiu fazer as coisas do seu jeito", escreveu ela em seu blog.
Uma visão pessimista do acordo sugere que o eventual aumento na prosperidade econômica causado pela entrada de recursos acabará fortalecendo a ditadura. Mas, se grandes desmoronamentos começam com pequenas rachaduras, esse início de entendimento entre Estados Unidos e Cuba também pode ser o impulso de que a democracia na ilha precisava. O embargo econômico norte-americano perdura, mas, se vier a cair (e os repetidos clamores pelo fim das sanções não deixam de ser um reconhecimento implícito dos méritos do livre mercado, contrariando o discurso de alguns dos maiores adversários do embargo), ficará evidente para os cubanos que a origem de seus problemas é interna, não externa. Se a melhoria nas telecomunicações representar uma janela para que o povo tenha mais informação sobre o mundo sem a mediação da imprensa oficial, a pressão por liberdades democráticas pode se fortalecer até se tornar impossível de conter. É esse o futuro que desejamos para os cubanos: que se tornem um povo próspero e, principalmente, livre.
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