O presidente Michel Temer assinou, em 18 de setembro, uma medida provisória que adiará as tão esperadas duplicações de rodovias em trechos concedidos à iniciativa privada, especialmente nos leilões de 2013 e 2015. Os contratos previam que as obras de duplicação deveriam ser feitas em no máximo cinco anos após o início da concessão, mas as empresas reclamaram e o governo cedeu, ampliando esse limite para até 14 anos, mas sempre dentro do prazo original de concessão, ou seja, sem prorrogações automáticas, hipótese com que o governo federal chegou a flertar.
A Medida Provisória 800 impõe algumas contrapartidas: as concessionárias que jogarem para o futuro as obras de duplicação de estradas terão de baixar suas tarifas – mas apenas depois de concluir as obras – ou concordar com uma redução na duração do contrato, ou, ainda, uma solução que envolva as duas alternativas, sempre negociada caso a caso. Além disso, agora será a Agência Nacional de Transportes Terrestres que definirá os trechos prioritários para duplicação, escolha que até agora era feita pelas próprias concessionárias.
Mais pertinente é a reclamação das concessionárias sobre a dificuldade de conseguir os empréstimos previstos pelo BNDES
Ao facilitar a vida das concessionárias, o governo federal quer evitar mais casos como o da BR-040, entre o Distrito Federal e o Rio de Janeiro: a Invepar, consórcio que tem como sócios a empreiteira OAS (encrencada na Lava Jato) e os fundos de pensão Previ, Petros e Funcef (todos em situação caótica), manifestou sua intenção de devolver a concessão dos quase 950 quilômetros de rodovia. A BR-040, assim, entraria no programa de “relicitação” organizado pelo governo Temer, em que concessionárias que assinaram contratos durante o governo Dilma saem do negócio, permitindo uma nova licitação em condições diversas. Além da Invepar, também a Aeroportos Brasil Viracopos, que administra o aeroporto internacional localizado em Campinas (SP), quer devolver o terminal ao governo.
As empresas invocaram um argumento controverso para pleitear a mudança nas regras: a crise econômica, alegam, fez baixar o movimento nas estradas, com consequente diminuição na arrecadação dos pedágios. A esse respeito, poder-se-ia responder que isso é parte do risco de qualquer atividade econômica. Quando um empreendedor abre um negócio, tem de prever e estar preparado para uma eventual queda na demanda pelo produto ou serviço que oferece. O mesmo raciocínio vale para uma concessão de bem público, cujos contratos envolvem prazos longos dentro dos quais muita coisa pode acontecer, exigindo do concessionário a consciência de que pode haver épocas mais complicadas e um consequente planejamento para esses casos. Ainda assim, haveria riscos que justificassem uma ajuda estatal? Uma catástrofe natural, por exemplo, parece um caso evidente. E a fortíssima recessão que se abateu sobre o Brasil, a maior da história, causada pelo próprio governo? Estaria ou não dentro desses critérios? É uma pergunta que vale a pena fazer, especialmente levando em conta que, no caso dos leilões de 2015, os vencedores já podiam ter uma ideia mais clara do que estava por vir.
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Mais pertinente é a reclamação das concessionárias sobre a dificuldade de conseguir os empréstimos previstos pelo BNDES para realizar as obras. Ainda assim, essa situação mostra os riscos desse tipo de “privatização pero no mucho” em que o poder público entrega a administração do bem à iniciativa privada, mas continua tendo importante participação, seja como sócio dos consórcios, seja como viabilizador das obras. Em uma situação como essa, qualquer desequilíbrio no setor público prejudica (às vezes, de forma irreversível) o trabalho das empresas privadas – algumas das quais, reconheça-se, também ficaram mal-acostumadas após décadas de auxílio abundante e camarada do Estado.
De um lado, a renegociação prevista na MP 800, que joga para a frente obras de infraestrutura urgentes e essenciais para o país; do outro, o risco de uma devolução em massa das concessões, reonerando um poder público falido enquanto não fossem realizadas novas licitações. Em qualquer dos casos, o custo acaba pago pelo motorista brasileiro, que já deveria estar trafegando em rodovias duplicadas, mas agora passará mais tempo arriscando a vida em estradas de pista simples sem pagar um centavo a menos de pedágio por isso; e pelo setor produtivo, que continuará tendo os problemas de sempre para escoar sua produção.
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