Por uma pesquisa encomendada ao Ibope pela ONG Transparência Brasil, a opinião pública soube, na semana passada, da assombrosa dimensão numérica de um daqueles problemas que, embora conhecidos, são normalmente tratados como "normais" que, de tão corriqueiros entre os hábitos políticos brasileiros, já nem se levam em conta. Referimo-nos à revelação de que pelo menos 8% dos eleitores brasileiros foram abordados por candidatos com propostas de compra de seus votos nas eleições de 2006.
A sondagem foi feita em todos os estados, dentre os quais o Paraná foi o grande destaque: aqui, 22% dos eleitores consultados confirmaram ter recebido ofertas das mais variadas modalidades para que sufragassem determinados candidatos. Foi o mais escandaloso índice registrado no país, o que nos carimba com a vergonhosa condição de território onde a regra da moralidade do processo eleitoral periga ser suplantada pela exceção do escambo de votos por vantagens espúrias. Trata-se, portanto, de uma perigosa distorção da prática eleitoral, com efeitos devastadores sobre a salubridade da nossa ainda incipiente democracia.
Não há efeito sem causa que o anteceda, leciona um dos mais elementares princípios da Física. A dificuldade que se apresenta nesta questão, no entanto, é estabelecer com precisão a linha divisória entre causa e efeito saber definir o que é causa e o que é efeito , tal a confusão que se pode estabelecer a respeito da precedência ou da preponderância de um sobre o outro. Assim, não se sabe exatamente se o alto índice de ofertas imorais aos eleitores se deve ao exacerbado atrevimento dos políticos ou se, por absurdo, é mesmo tão grande a parcela do eleitorado que faz suas escolhas de acordo com a "lei de Gerson" aquela que apregoa que em tudo se deve levar vantagem.
Preferimos a primeira alternativa, pois é mais plausível aderir a uma visão positiva, ainda que panglossiana, em relação às qualidades morais do povo do que às dos políticos, tal o vigor dos escândalos por eles freqüentemente protagonizados. Aliás, dentro desse entendimento, preferimos também apostar na hipótese de que teve pouco sucesso o atrevimento dos candidatos "compradores" de votos. Situemos, pois, como verdadeira, a premissa de que a causa do elevado índice de tentativa de compra de votos se deve muito mais ao modus faciendi dos políticos brasileiros do que à concupiscência do povo.
Fixada tal premissa, surge outra indagação pertinente: por que exatamente no Paraná prosperou mais do que em outros estados a tentativa de colocar votos no balcão? Estamos à procura, pois, da causa da causa. E em torno dessa procura surgem novas hipóteses todas elas pouco enaltecedoras.
A mais forte dessas hipóteses é a de que, lamentavelmente, existe terreno fértil no Paraná para a proliferação dos métodos revelados pela pesquisa da Transparência Brasil caso contrário não ocorreriam aqui em tão alta escala. Somente num meio onde não se tem apreço às normas da boa convivência democrática e civilizada, sob o império da ética e da moral social, pode fermentar a condenável prática apontada pela sondagem. Num lugar onde o vale-tudo suplanta os ditames da lei e da ordem, políticos-candidatos sentem-se à vontade para a agir desse modo.
Assim, o triste troféu conquistado pelo Paraná pode ser explicado pela constante repetição que se dá em seu território de episódios que configuram o desrespeito por parte das nossas principais autoridades aos princípios básicos que devem presidir suas relações com o Poder que exercem e com a sociedade que juraram servir.
Fazem parte do rol desses episódios os inumeráveis casos de desobediência a determinações judiciais, de que é exemplo mais flagrante e freqüente o descumprimento das reintegrações de posse de áreas particulares invadidas. Desrespeita, dessa forma, não apenas o Judiciário que as determinou, mas a ordem legal estabelecida pela Constituição Federal que, em cláusula pétrea, reconhece e garante o direito de propriedade.
Expandem-se os exemplos de vale-tudo para o terreno da insegurança jurídica que se estabeleceu nas relações entre o Estado e os entes privados. Contratos legítimos de nada valem; ao caminho da lei e da negociação civilizada entre as partes, prefere-se a valentia brancaleônica de atos e decretos nulos de pleno direito ou anulados e revistos por conta de decisões judiciais superiores como se deu, em rápida remissão à memória, nos notórios casos envolvendo as concessões rodoviárias, o plantio de transgênicos e a administração portuária.
No Paraná, ao interesse público tem-se visto sobrepor-se a cabala por vantagens meramente pessoais o que tem levado os paranaenses a assistir nos últimos tempos a alguns dos mais deslavados episódios de desrespeito às instituições de Estado.
É emblemático, nesse sentido, o caso do preenchimento da vaga de conselheiro do Tribunal de Contas, em que dois conhecidos políticos, escolhidos sucessivamente para a alta função, já há um ano seguram a nomeação com uma mão e com a outra trabalham para obter vantagem maior. O primeiro, após nove meses de delongas, vislumbrou ser mais conveniente prosseguir na carreira política e renunciou ao Tribunal de Contas; o outro, indicado e nomeado já há três meses para o cargo, ainda faz malabarismos para não tomar posse ao mesmo tempo em que trafica influência para subir na carreira cartorial, mais rendosa. Há ainda o caso de um secretário que sabe ser ilegal manter-se no cargo se não renunciar à condição de promotor do Ministério Público Estadual, mas que, sob bênçãos superiores, insiste em fugir da decisão da escolha.
Diante desse caldo de cultura, não é mesmo de surpreender o surgimento de um miasma tão grave e vergonhoso como o é a desenvoltura com que agiram muitos dos nossos políticos na eleição passada em sua ânsia caça-votos a qualquer preço. O exemplo, diz o ditado popular, deve vir de cima. A emulação para o avanço do processo civilizatório, com estrita obediência à ética e à moralidade, também. Os estranhos tempos que vivemos no Paraná atualmente decididamente não contribuem para esse objetivo.
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