De um lado, um deputado do Paraná apresenta emenda orçamentária destinando recursos para o zoológico de Brasília; sabe-se, em seguida, que parlamentares do Rio de Janeiro conseguiram aprovar repasses para a prefeitura de Londrina, no Paraná. As duas situações foram reveladas por reportagens deste jornal publicadas no início da semana. Se não são fatos que devam ser imediatamente incluídos na lista de escândalos que frequentemente cerca a liberação de emendas ao Orçamento da União, no mínimo devem ser objeto da curiosidade pública: por que parlamentares eleitos por um estado trabalham para beneficiar outros estados?
É certo que, pelo sistema político brasileiro, os deputados são eleitos para representar o povo, diferentemente dos senadores que representam o estado pelo qual foram escolhidos nas urnas. Seja carioca, paranaense, paulista, mineiro ou cearense, o povo brasileiro é o mesmo em toda parte. Portanto, em tese, quando um parlamentar eleito por determinado estado contribui para o progresso de outro, não estará cometendo uma heresia política, perpetrando uma traição ou burlando as leis, já que está no exercício do seu papel constitucional de representar o povo brasileiro.
Entretanto, é importante lembrar que as bancadas com assento na Câmara Federal são proporcionais à população de cada estado, ao contrário dos senadores um número fixo de três para cada unidade da Federação, independentemente das respectivas populações. Logo, a lógica nos induz imediatamente a concluir que, sim, os deputados federais devem privilegiar cada qual o povo que, pelo voto, contribuiu para elevá-lo à condição de mandatário de suas aspirações isto é, os eleitores de seu estado.
A questão principal por trás das emendas parlamentares ao Orçamento, no entanto, não é exatamente o desvio da energia política do estado em benefício de outro. Mais cruciais que esta são os costumes brasileiros de fazer das emendas aos projetos da Lei Orçamentária um jogo de interesses que em nada contribui para a construção da democracia que queremos ou para a necessária obediência à ética e à moral pública.
Ora o Executivo oferece oportunidades , aceita ou libera valores orçamentários como forma de dominação do Legislativo; ora os parlamentares lutam no varejo para obter ajudas para os currais em que são votados de olho não somente na próxima reeleição; falta-lhes qualidade, falta-lhes visão estratégica para priorizar a destinação de recursos para benefícios mais amplos e perenes; ora verbas oriundas de emendas caem propositalmente nas mãos de ONGs desonestas, empresas de fachada ou diretamente em "empreendimentos" dos próprios parlamentares que os propuseram.
Ideal é que tais distorções sejam extirpadas do cenário político, que deixem de contaminar o exercício dos mandatos parlamentares. Isso fará bem à democracia, ao país e ao seu povo do que qualquer esdrúxulo comportamento desse ou daquele deputado que, esquecendo-se dos próprios eleitores, buscam atender os de outros estados.