A grande depressão dos anos 1930 foi marcada por brutal queda do Produto Interno Bruto (PIB) em vários países, com falência de empresas, queda nas cotações das ações das empresas de capital aberto, elevado desemprego, fome, miséria e empobrecimento. Foi uma crise grave do capitalismo internacional, para a qual o remédio foi o aumento da participação do Estado na economia, principalmente executando amplo programa de obras públicas e programas sociais de transferência de renda para grupos de pessoas mais vulneráveis. Quando a recuperação econômica começou a dar resultados, a Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939, exigiu aumento da produção vinculada ao esforço de guerra e, novamente, a intervenção estatal na economia se ampliou em praticamente todos os países capitalistas.
Dali em diante, até os anos 1980, o setor público nunca mais deixou de se expandir e intervir no domínio econômico, dando causa à prática de elaboração de planos de desenvolvimento por todos os governos. No Brasil, principalmente desde o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961, todos os presidentes da República tiveram seu plano de governo. Em geral, dizia-se que os planos governamentais deviam ser impositivos para o governo e indicativos para o setor privado, sobretudo para clarificar os rumos do gasto público, as prioridades em termos de obras estatais e a legislação sobre os vários aspectos da economia privada: investimento estrangeiro, carga tributária, legislação trabalhista, política monetária, política de crédito, financiamentos ao desenvolvimento, política de comércio exterior etc.
O Brasil não tem como crescer de forma expressiva se não ampliar rapidamente o tamanho de sua infraestrutura física e modernizar o nível tecnológico nela incorporado
Pois o governo de Jair Bolsonaro acaba de anunciar seu plano, intitulado “Estratégia Federal de Desenvolvimento” (EFD). Pode-se dizer que é um documento modesto em termos de planejamento governamental, porque traz as linhas gerais dos rumos que deseja para o país, as orientações a serem seguidas pelos órgãos do governo e indicações sobre as grandes variáveis macroeconômicas para o período 2020-2031, sem detalhar programas, obras e metas setoriais. À primeira vista, pode-se perguntar por que um governo que tem dois anos pela frente faz um plano para 11 anos. Uma resposta possível e razoável é que há um conjunto de metas que são subscritas por qualquer partido e qualquer governante, por serem óbvias e necessárias, como crescimento do PIB, aumento da renda por habitante, elevação do nível de emprego, melhoria dos indicadores sociais, redução da corrupção, enfim, desenvolvimento econômico e social.
Entre os governos e os partidos não há diferença de objetivos gerais, como os enunciados acima. As divergências dizem respeito aos caminhos e medidas para o país conseguir atingir tais objetivos. No documento, publicado no fim de outubro passado, o governo lança suas projeções tendo em conta três cenários: um cenário pessimista, sem aprovação das reformas tidas como necessárias; um cenário otimista, chamado de “transformador”, no qual considera a aprovação das reformas, mais a elevação do nível educacional e redução da corrupção; e um cenário realista, médio, chamado de “cenário de referência”, que considera a aprovação não de todas, mas das principais reformas macroeconômicas. Nesse cenário de referência, ou realista, o plano prevê crescimento médio anual do PIB à taxa de 2,2% ao ano, o que dá 27% no período abrangido. Caso a população cresça em torno de 0,5% ao ano – portanto, 10 milhões de habitantes a mais nos 11 anos de duração da EFD –, o aumento da renda por pessoa no país ficaria em 21,3% até 2031, o que é pouco considerado o grau de pobreza medida por essa variável, segundo comparação internacional.
O plano do governo apresenta 36 metas vinculadas a cinco eixos. No eixo econômico, estão o crescimento do PIB e elevação da renda por habitante. No eixo da infraestrutura física, necessária para suportar o crescimento do PIB, o governo fala em elevar os investimentos em obras de 1,3% para 1,8% do PIB, taxa essa ainda muito modesta. O Brasil não tem como crescer de forma expressiva se não ampliar rapidamente o tamanho de sua infraestrutura física e modernizar o nível tecnológico nela incorporado. De qualquer forma, como o cenário de referência pretende ser “realista”, a taxa de investimento expandida para 1,8% do PIB é positiva. No eixo institucional, duas metas importantes são a elevação do índice de controle da corrupção e a elevação do governo digital, ambas visando a melhorar a eficiência dos gastos públicos. No eixo ambiental, ao contrário das acusações que se fazem ao governo, a proposta é elevar o conhecido Índice de Performance Ambiental, elaborado pelo Yale Center for Environmental Law and Policy – um desafio que a sociedade certamente vai cobrar do governo, principalmente em função dos problemas de desmatamento e das cobranças internacionais sobre o Brasil nesse ponto.
O quinto eixo é o social, em relação ao qual o documento EFD propõe uma meta importante e ousada: reduzir a porcentagem de brasileiros vivendo abaixo da chamada “linha de pobreza”, dos atuais 7,8% para 6,2% do total de habitantes. Embora possa parecer muito pouco, por se tratar de um problema social altamente sensível, o crescimento do PIB e o aumento populacional previstos no cenário de referência não permitem ir muito além dessa meta, sobretudo porque elevações da carga tributária no Brasil nos últimos 35 anos, passando de 21% do PIB em 1984 para 35% em 2018, não foram suficientes para redução expressiva da pobreza.
O documento do governo, com seus planos e suas metas, pode ser elogiado, criticado ou colocado em dúvida. Não importa, pois a sua função é a de fomentar o debate, provocar análises, levantar hipóteses, enfim, fazer governo e sociedade pensarem a respeito do futuro do país e da necessidade urgente de retomar o caminho do crescimento econômico e desenvolvimento social.