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editorial

Faltam estadistas

Os problemas econômicos de um país devem ser gerenciados tendo em conta que as medidas capazes de curar efeitos negativos de curto prazo não são necessariamente as mesmas requeridas para solucionar os problemas de forma permanente e impedir que eles retornem, muitas vezes piorados e agravados. A solução estrutural de longo prazo exige erradicar as causas dos efeitos percebidos no momento presente, o que implica quase sempre na tomada de medidas impopulares.

O Brasil apresenta uma lista de problemas negativos, cujos sintomas estão aí, perturbando a nação, piorando a situação econômica e diminuindo o bem-estar social da população. Os problemas de curto prazo precisam ser tratados a fim de terem seus efeitos maléficos reduzidos, coisa que o governo federal vem tentando fazer por meio de seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Os remédios para os dramas nacionais podem ser amargos durante sua aplicação, mesmo quando são necessários para amenizar os efeitos indesejados vigentes.

A economia brasileira apresenta pelo menos quatro problemas sérios que precisam ser corrigidos o mais rápido possível: o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a inflação, o déficit externo e déficit fiscal. O nó da questão é que os remédios para solucionar uma situação negativa podem agravar outros aspectos da crise, ao menos temporariamente. Não há como fugir de medidas impopulares, que incomodam a população no curto prazo, mas ajudam a corrigir as distorções no longo prazo. Um desses casos é a redução dos gastos públicos a fim de reduzir o déficit fiscal, providência que reduz por um tempo a demanda agregada e dificulta a volta do aumento do PIB.

As correções de curto prazo são necessárias para curar os problemas momentâneos e preparar o país para adotar as reformas necessárias

Vale ressaltar que a redução do gasto público tem vários efeitos positivos: reduz a necessidade de o governo tomar mais empréstimos – o que é bom para impedir o crescimento da dívida pública –, diminui a pressão para elevar a taxa de juros, faz sobrar mais dinheiro no sistema bancário para financiar o setor privado e ajuda no combate à inflação. O preço a ser pago com as medidas de correção do gigantesco déficit fiscal nominal – que chegou a 7% do PIB em fevereiro – é a convivência com um período de retração, talvez até alguma recessão moderada.

As correções de curto prazo, porém, são necessárias para curar os problemas momentâneos e preparar o país para adotar reformas necessárias a fim de curar as causas estruturais que estão transformando a economia brasileira em um corpo frágil. O drama essencial é que as reformas de longo prazo exigem a presença de estadistas capazes de pensar nas próximas gerações e não apenas na próxima eleição. Infelizmente, o Brasil padece da falta de estadistas tanto no governo quanto no Poder Legislativo, e tem sido praxe a postergação do enfrentamento dos problemas estruturais. No mínimo, quatro reformas precisam ser feitas pensando nas próximas décadas: a previdenciária, a trabalhista, a tributária e a política.

Reformas, porém, exigem governantes com senso de missão e preocupação com o futuro, ainda que tenham de amargar impopularidade momentânea. Tal possibilidade é quase inexistente no Brasil, sobretudo porque a presidente Dilma Rousseff não tem capital político para liderar as reformas estruturais. Na prática, a presidente não está nem sequer conseguindo aprovar medidas de curto prazo, pois sua impopularidade a deixou fraca diante do Congresso Nacional, no qual também não há figuras proeminentes à altura das reformas estruturais cujos resultados somente aparecerão nas próximas décadas, não nos próximos meses.

O Brasil vive um momento duplamente ruim em sua estrutura política. Faltam estadistas com nível cultural e estofo político para os grandes desafios de longo prazo, de um lado; e é elevado o grau de desconfiança da sociedade na política e nos políticos, de outro. Para complicar o cenário interno, há fatores externos impondo sacrifícios ao Brasil. As contas externas brasileiras estão muito ruins, como mostra o saldo em transações correntes (importação menos exportação de mercadorias e serviços), que fechou com elevado valor negativo no ano passado e segue com desempenho ruim neste ano, em parte pela queda nos preços das commodities exportadas pelo país.

A política brasileira tem apresentado dificuldade em revelar governantes de alto nível intelectual, elevada capacidade política e disposição para enfrentar os grandes problemas e fazer as grandes reformas de longo prazo de que o país precisa. Mas ou o país enfrenta seus buracos estruturais ou o futuro será comprometido, e o ingresso no clube das nações ricas poderá não acontecer.

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