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Editorial

Em casa sim, sozinhos nunca

Pais e filhos precisam aproveitar bem o tempo que passarão juntos enquanto durar o isolamento causado pelo coronavírus. (Foto: Daniela Dimitrova/Pixabay)

Keep calm and carry on” – em tradução livre, “mantenha a calma e siga em frente”. O slogan foi criado pouco antes do início da da Segunda Guerra Mundial e colocado em um dos vários pôsteres que eram parte da estratégia de propaganda interna do governo em sua comunicação com a população. Este cartaz, especificamente, não chegou a ser distribuído; apenas alguns poucos exemplares viram a luz do dia, mesmo durante o pior período dos bombardeios alemães; só foi redescoberto em 2000, e rapidamente se tornou um ícone pop. A mensagem de ânimo em meio à adversidade volta a ressoar neste momento em que mais e mais brasileiros se organizam para passar pelo menos algumas semanas em casa, limitando suas saídas ao estritamente necessário, como maneira de impedir a progressão do surto de coronavírus.

Para um povo caloroso como o brasileiro, que aproveita todas as ocasiões para estar com a família e os amigos, e que valoriza a interação social em ambientes dos mais variados, como clubes e igrejas, o isolamento representa uma mudança radical. Nada disso estará disponível pelas próximas semanas, seja por decisão governamental, seja por precaução de empresários e líderes comunitários ou religiosos. Neste mesmo espaço, acabamos de lembrar que a quarentena tem seus efeitos psicológicos, atestados em estudos científicos realizados durante outros surtos graves. É verdade que, segundo esses mesmos estudos, quando o isolamento é uma decisão própria – o que vem sendo o caso brasileiro até agora –, e não algo imposto pelo Estado, esse efeito é mitigado. Mesmo assim, não é simples abrir mão da interação social, e é aqui que criatividade e tecnologia devem se combinar para manter um estado de ânimo que nos permita não apenas vencer o coronavírus, mas fazê-lo como uma comunidade unida, de laços fortalecidos. Estamos em casa, mas jamais sozinhos.

Quando a pandemia se for, que tenhamos um mundo diferente, em que valorizemos muito mais cada momento da liberdade de estar com as pessoas queridas

Permanecer em casa, mesmo para aqueles que levarão para suas residências a rotina de trabalho, significará uma oportunidade de fortalecer os laços familiares, especialmente com a interrupção do período escolar de crianças e adolescentes. Em quantos lares os horários de trabalho e de escola acabam significando que cônjuges pouco se veem, que pais e filhos pouco interagem? Se acreditamos que a família é o ambiente onde todos somos amados apenas pelo que somos, se acreditamos que os filhos são valiosos – e não uma fonte de despesa ou desgaste físico e emocional –, saberemos extrair o máximo da nova rotina como oportunidade de aprofundar a vida em comum e o exercício das virtudes. Aqueles que convivem com familiares idosos, que são o principal grupo de risco para complicações da Covid-19, redescobrirão ou reforçarão o valor do cuidado e do carinho para com pais e avós.

Felizmente, a tecnologia vem em socorro das amizades. Nunca foi tão fácil conectar-se com amigos, vivam a poucos quarteirões ou em outros países. Todos temos uma genuína preocupação com aqueles que nos são caros, especialmente os que vivem em regiões mais afetadas pelo surto. Esse pode ser o estímulo que faltava para um telefonema ou uma conversa em vídeo, mas que não façamos da pandemia nosso único assunto: saibamos compartilhar também as alegrias, as experiências, os conhecimentos adquiridos durante esse tempo em casa.

E não nos esqueçamos daqueles que estão passando pela mesma situação literalmente ao nosso lado, e dos quais às vezes conhecemos tão pouco, ou quase nada. Quando italianos vão às janelas para cantar à noite – hábito adotado até por profissionais, como o tenor italiano Maurizio Marchini, que foi à varanda cantar Nessun Dorma, da ópera Turandot, em Florença –, pouco importa se os vizinhos são rostos conhecidos ou não. Estão todos unidos por uma mesma situação, da qual querem emergir todos vencedores, como na frase final da ária de Puccini.

Quando a pandemia se for – porque, mais cedo ou mais tarde, ela vai passar –, que cidade, que país teremos? Que seja um mundo diferente, em que valorizemos muito mais cada momento da liberdade de estar com as pessoas queridas: aquelas com as quais dividimos o próprio teto, a rua, os interesses e afinidades. E que possamos lembrar destes dias como um tempo em que um fortíssimo sentimento de união nos ajudou a suportar o isolamento físico.

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